Thursday, December 14, 2006

Cat Power


Os momentos mágicos são intemporais. Podem ser vivido num passado distante mas o encantamento é de tal ordem poderoso que parece que se quebrou mesmo agora. E basta fechar os olhos no preciso momento em que a melodia começa a soprar para uma viagem alucinante ter inicio...

Apesar de não ter surgido o Abismo continua suspenso sobre o feitiço de “Cross Bones Style”!!

Monday, December 04, 2006

Leonor

“- Acudam”...
Gritou em plenos pulmões a mulher da cesta equilibrada na cabeça.

Datava 1946. Ano em que Leonor foi encontrada mais tarde xingada por achada. Tinha apenas dois anos... sentada na doirada seara de trigo. Um trapo velho envolto no corpo e uma pequena laranja na mão. Dentadas perfuravam o fruto sumarento na esperança de matar a sede que já circundava a língua mais do que seca. Branca.

Veio o senhor policia. Veio a aldeia santa. Vieram os sábios e até o padre. Todos afluíram ao novo acontecimento na aldeia onde não se passava nada.

A criança assustada não sabia o que queira. Balbuciava palavras vazias que tocavam no tecto e desapareciam na algazarra da sua prisão. Fazia rir os bobos desdentados. Ninguém a conhecia mas palpitavam em volta de um casal que vivia no moinho da outra aldeia.

Apareceu o herói da história. Um belo rapaz por sinal, envolto no seu manto de pele de cordeiro, casado com uma linda rapariga de ventre deserto. Choravam os dois tal sorte e amaldiçoavam as outras encarnações. Acreditavam nessa coisas. Cheios de promessas peregrinas transformadas em esperanças semi-falsas. Desfaleciam em loucura todas as noites nos braços um do outro até o corpo doer. Mas todos os meses certos como um relógio... sangravam.

O herói da historia apaixonou-se por Leonor. A jovem esposa apaixonou-se por Leonor. Tinha de ser deles. Todos reclamam direitos. Era de todos e ninguém a queria. Foi preciso desembainhar o cajado numa lutar contra outros cajados, foices e outras coisas mais afiadas. Sentimentos, pressentimentos e argumentos malfadados. Escapuliu-se. Agarrou na pequena Leonor e escondeu-a no seu manto imortal, pensando erradamente que a protegia.

Decorrem cinquenta e dois anos, e Leonor apenas conseguiu o amor daqueles que a protegeram, mas que já morreram. Nunca amou ninguém sem ser aqueles. E nunca ninguém a amou sem serem eles.

Casou... é verdade. Nem ela própria sabe dizer a razão. As outras também casaram. Ela não queira ir virgem para a cova, pensava. Foi enganada (...)

Está sentada à minha frente, faz hoje cinquenta e dois anos, numa festa cheia de amigos bem pagos para sorrirem. Não me vem à memoria o nome daquele prato que fumega bem de frente do meu nariz. O cheiro é estranho. Pego no garfo com a mão esquerda e provo uma pequena batata que bailava num molho verde. Cuspo para o lado... todos tossem. Todos caem. Leonor no topo da mesa segura firmemente num copo de cerveja preta que tenta despejar num só gole. Olha para mim, a única que ainda não conseguiu sucumbir, e pergunta num abanar de cabeça:

- Porque choras?
- Por causa da tua história. És tu não és?!

Sorriu...

- Penso que sim. Penso que sou eu. Mas sabes já não tenho a certeza.
- Nunca é tarde pois não?
- Eu é que te devia fazer essa pergunta.

Se morri ou não... não me recordo. Apenas me lembro de um dor forte bem por cima do sobrolho...

Para J&L

Tuesday, November 28, 2006

A boleia!

A desesperar completamente na ultima estação da linha do comboio, numa tarde já nocturna fustigada por uma tempestade que parecia não querer abrandar, muito pelo contrario. Sorri. Melhor, gosto de ver o limite.
O telemóvel toca e previsivelmente oiço a voz da minha boleia que nunca chega um único minuto que seja adiantada e encontra sempre a desculpa mais idiota para me convencer de que não tem culpa de estar atrasada ou que vem a caminho. Várias chegam a ser as horas que fico ali sentada no banco de cimento mesmo de frente para a máquina dos bilhetes, mesmo no sitio onde o vento se revolta entre folhas secas, bilhetes velhos e sujos e garrafas de plástico que não foram apontadas para o lixo. Conto os botões por ordem de cores e numero, acrescento apeadeiros e invento estações que só eu sei onde ficam.

O comboio pára infinitas vezes no fim da linha com os vidro embaciados da respiração das gentes. Alguns ainda saltam em andamento. Observo correrias alheira, reencontros e outros que se sentam ao meu lado com a certeza que também esperam alguém.

Liguei o numero que conheço na ponta da língua, ou melhor na ponta dos dedos. Vou andando a pé. Apanhas-me no caminho. Já deveria ter pensado nisso mais cedo. Subi as golas do casaco até às orelhas e devagar entrei pela tempestade adentro. Não me preocupei com poças de água, nem em desvios nem com as goteiras das arvores. Fingi ser invisível. Semi-serrei o olhos e continuei em frente. Virei à esquerda e segui em frente. Caminhei devagar, precisava de fazer tempo para não ficar à espera de frente para a entrada principal daquele sitio mágico.

Caminhei. E mesmo vendo aquele sítio todos os dias, sempre que ali passo, e principalmente a pé, fico de peito cheio e comprimido de sensações. É como se ficasse desprovida de tudo o que é material e tal como vim ao mundo coloco os pés descalços naquela calçada límpida mesmo com o passar dos séculos sem os molhar sequer, apenas sinto o frio da chuva.

Não existe ninguém. Ou melhor ninguém que olhe e veja a minha nudez. Ninguém que olhe e aponte o dedo em reprovação. Ninguém que olhe em curiosidade de quem nunca viu um corpo. Não existe. Porque naquele patamar, ao qual tinha acabado de chegar, nada disso existe. E aqueles que por mim passam olham-me simplesmente bem no fundo dos olhos... cumprimentam-me e dão-me as boas vindas. (...)

Tremi de frio. Dei por mim estava a olhar para a ponta das minhas botas. Estava sentada no muro encharcado, mesmo à entrada principal daquele sitio mágico. A tempestade estava no seu auge. Olhei a fonte romana entre o fumo de água e mais uma vez achei-a linda de morrer.
Quando estava a começar a perder-me no jogo das luzes, ouvi apitar.

O carro de lona parou e fez sinais de luzes. O meu corpo caminhou até lá, mas o meu espírito ardia por ali ficar. Entrei e a minha boleia discutia num tom ensurdecedor com uma terceira pessoa que estava presente. O rádio estava alto demais com noticiais reais demais.

Está ai uma manta (ainda consegui ouvir), sentei-me nos bancos de trás e recostei-me confortavelmente. Abstrai-me daquilo que naquele momento era mais do que poluição sonora e dentro de mim, naquela simplicidade do momento que passou nem à cinco minutos atrás, senti-me o ser mais feliz do mundo....

Wednesday, November 15, 2006

Untitled-1




E
ra um estranho total quando caiu naquele ambiente onde nunca deveria ter conseguido chegar. Mas não parou naquele intervalo do espaço, que de repente se rasgou no preciso minuto em que passava. “Escorregou” é o que gosta de pensar, e não é nada disso. Como sempre foi mais forte do que ele próprio.

Tudo a sua volta era completamente novo e um enorme sentimento de medo fazia-o paralisar. Estava dormente e sem reacção tal era o terror que sentia. A língua secou as palavras e o braços deixaram cair as expectativas... jamais pensara que seria assim. Desejara ao ponto de arder na pele como fogo, desejara aquele espaço onde tantas vezes sonhou perder-se e agora revelava-se completamente diferente, não da realidade, mas daquele sentimento que trazia consigo já faziam precisamente cinco dias. Num silencio melodioso. As vozes, os instrumentos, as notas... sentiu uma pancada no estômago e fechou os olhos inconscientemente. Um silvo saiu-lhe dos lábios...

(...)

A musica ainda não o conhecia quando ele ali caiu. Bailava em seu redor, harmoniosa e enfeitiçada, como qualquer coisa que flutua em busca de querer conhecer mais. Querer saber o que ele era e como descobriu o caminho.
Passeava. Roçava-se pelo seu corpo quase perfeito como uma serpente. Confiante. Descia e subia cheirando-o. Farejando-o. Cuspiu-lhe um vento ensurdecedor num pedaço de cabelo e puxou-o num grito de dor. Levou a madeixa àquilo que parecia ser os seus mais de cinco sentidos juntos e inspirou. Rebolou e envolveu-se nele... Invadiu-lhe como por magia os olhos com liquido e os ouvidos com sons. Milhares e milhares de sons.

E muito devagarinho a musica começou a apaixonar-se por aquele bocadinho de gente!!

Monday, November 06, 2006

Quem é?!

Preciso de saber quem ontem pintou o céu. Quem o pintou a lápis de cor amarelo, laranja, vermelho, azul e laivos de roxo. Quem o desenhou com duros pasteis esbatidos a dedo expandindo-as em todas as direcções terminando alguns no infinito da bola de fogo. Quem com um marcador branco rasgou o céu em cores de luz que ultrapassa radicalmente uma realidade de natureza superior.
Quem o contornou com uma fina caneta dourada e brilhante. E quem inventou aquelas formas nas nuvens que eu nunca antes vira. “- Já viste as nuvens hoje?!”... colocadas em várias dimensões num escala de cinzentos. Indescritíveis até mil olhares e ali tão perto de um simples esticar de braço, esticar de dedo a tornear as várias formas até as saber de cor e conseguir guardar para posteriormente projectá-las num outro céu.

Quem é o génio que tem o condão de me prender horas deslumbrada aquilo que nunca me passou pela imaginação e nem mesmo pela retina acordada. Quem por fim soprou a lua e acendeu as estrelas no meio da tempestade que rebenta em gritos silenciosos e latidos afastados mesmo ali ao lado de uma noite de verão.

Quem é de certo não está ciente no perigo em que nos colocou. Em que me colocou. O de não conseguir equilibrar-me naquele limite em que intensidade tem que ficar dentro de um saquinho chamado emoções que comprimo, na mão com todas as minhas forças, em vão. Porque não aguentei o formigueiro do tumulto apertado e deixei-o cair. Exigiram ser libertadas e com elas deixei-me ir... *

Olhei cá para baixo e vi: nós as duas sentadas no pequeno muro branco.
Estava-mos sentadas bem de frente para o mar. A paisagens dividia-se ao meio, distintamente bem por cima das nossas cabeças, bastava lançar a cabeça para trás e olhar em direcções opostas. Na vigília da chuva tínhamos chegado até ali com o propósito de falar de ti. Queria tanto ouvir-te e dar-te as minhas palavras e isso não estava a acontecer.

Sobrevoei-nos, eu estava de olhos fechados. Tu contorcias os lábios euforicamente em forma de palavras mágicas de uma primeira conquista e desesperei para conseguir ouvir-te naquele momento. Mas foi impossível (...) Tu apercebeste-te. Olhaste em frente transparente e "acomodas-te –te" em jeito de quem espera uma eternidade se for preciso.

Vou tentar saber quem é... dá-me só um segundo!

* e já sorria enquanto me ia perdendo pelo dia a dentro...

Friday, October 27, 2006

(not) Controlling my feelings

Corria o rumor que iria ser igual e não valeria a pena o esforço. Que não ia ser como na primeira nem como na segunda vez. Sem nada de novo para contar . E a noticia já ia de boca de boca com a credibilidade de uma mentira muito bem contada.
Melhor assim, não se criou grandes expectativas e aguçou-se o factor surpresa que se transformou para lá de qualquer coisa extraordinária.

Mas é certo que ao contrario de outras línguas maiores e inchadas não foi igual, porque não poderia ser nem nunca será... o sangue fervilhará sempre nas veias e explodirá em adrenalina presa em gigantes balões recheados de pozinhos perlim pim que se derramarão pela multidão depois de rebentarem. Os bocadinhos espalhar-se-ão e juntos conseguiremos sempre encontrá-los no escuro até as luzes coloridas voltarem a invadir mil rostos. E mesmo que fiques com alguns meus e eu com alguns teus, não faz mal porque as sensações vividas ao mesmo tempo por aquilo que se ama em simultâneo é assim mesmo... um só!

Em uníssono cantou-se aquela musica... até voz ficar rouca e se sumir num saboroso silencio à espera que nunca acabe...

E não acabou (sorriso)... no carro foi vira o disco e toca o mesmo!!

Monday, October 16, 2006

Devagarinho... está na hora...

Na chuva da noite de ontem senti devagar as sensações a desvanecerem-se. Pensei que morreria junto com elas tal era a tristeza que sentia, mas estava mais do que na hora, teria que cortar um género de cordão transparente que brilha apenas para aqueles que o conseguem ver. Era essa a razão de ali estar, àquela hora. Tentei sorrir para os clarões que espreitavam de cinco em cinco minutos e iluminavam o mar, iluminavam as sombras feitas pelo vento. Iluminavam-me a mim.

Não me mexi... poderia tratar-se de uma fotografia que fixasse para sempre a minha imagem no momento e por algum encantamento que ainda desconheço pudesses ficar por ali. Viver assim. Eu e aquele sitio. Eu e a noite. Eu e a tempestade com apenas um pé pendurado para o meu próprio abismo, aquele que não receio mas respeito.

Mas o clarão era tão forte que não conseguia abrir os olhos, não conseguia ver. Tive medo de ficar desfocada, perdida e irreconhecível. E queria tanto ver. Gritei desesperadamente nos rugidos do céus e deixei que as lágrimas desenhassem o seu percurso num rosto já encharcado. Uma a uma queimavam-me os olhos. Ainda não estava preparada. Não ainda.
Não aguentei. Cai sem sentidos e atravessei o deserto do sentimento sem sequer tocar no chão. Embati numa pequena pedra e flui pelo seu lado esquerdo.

(...)

Voltei a mim. Ouviam-se sorrisos perdido no barulho da lona vibrante que cobria o veiculo alto. Continuava a chover e ainda era de noite. Sai do carro e fui até onde o mar me lambia os pés. Trauteava repetidamente o mesmo refrão de uma musica que nunca tinha ouvido:

Eras tu a ficar por não saberes partir,
E eu a rezar para que desaparecesses,
Era eu a rezar para que ficasses,
Tu a ficares enquanto saías.

Senti uma leveza no peito. Percebi e deixei-me ir. Lavei a alma e desamarramo-nos ali mesmo.
Corri para o veiculo numa velocidade alucinante para ninguém se aperceber da minha ausência... e ainda lá estavam, todos sentados na mesma disposição.

Uns lábios tocaram-me ao de leve no ouvido e num arrepio ouvi:
-Está na hora!!

Larguei o momento... guardei a recordação... e continuei devagarinho!!

Tuesday, October 10, 2006

Uma semana catorze dias...

... e ainda trago o cheiro nas mãos e nos dedos. No corpo e no cabelo. O aroma da terra molhada na boca e os ouvidos cheios de sons. Chamo-lhes as outras musicas vindas do vento, do mar, da chuva e do sol. Sons vindos de um tempo do qual eu fui dona e senhora deslizando como uma rainha que comanda e ordena quando deve de parar e quando deve de avançar. A duração de sete dias vividos na intensidade de catorze sentindo em cada cantinho do meu “eu” o tempo a roçar-se tranquilo. Feliz.

... e ainda sinto o primeiro rubor e o ultimo tremer de pernas de danças e andanças ao ritmo de uma intensidade estonteante onde fiquei nos primeiros furos e arranjos, nas gargalhadas, no medo, nas lágrimas, na noite, na madrugada nos sustos, nos gritos, nos verdes e nas outras cores .... e em cada pedalada dada no espaço de um quilometro de todos os sítios por onde passei, cada pessoa que conheci e cada batida mais forte do meu coração. Libertei-me de tal maneira que cheguei a esquecer que tinha uma vida paralela e que aquilo que estava a viver no momento é que era a minha verdadeira maneira de estar na vida..

... e ainda sinto na pele e nos músculos uma pequena dor do esforço que lateja a cada passada em direcção aquilo que existe. Agora que está na hora de atravessar olho para trás já com uma saudade que me rasga em bocados que se espalham por ai e estendo à mão. Ele não me seguiu.

Deixo-me ficar num silencio que é só meu desejando ardentemente ser transparente. Ficar aqui sem ninguém dar por mim, e sem ter que falar. Tenho medo de perder as sensações a cada palavra dita em direcção à realidade. Rodopiei de mãos dadas segura pela confiança cega de tanto amar...
Saltamos e pulámos em vestidos de papel. Choveu e desfizeram-se com a aguas. Livres... subimos em direcção céu...



Tróia, Comporta, Melides, Santo André, Sines, Porto Covo, Praia do Malhão, Vila Nova de Mil Fontes, Almograve, Cabo Sardão, Zambujeira, Odeceixe, Aljezur, Arrifana, Carrapateira, Praia do Amado, Vila do Bispo, Sagre, Lagos e muitas outros sítios dos quais não menciono mas não são menos importantes... calcorreados pedaço a pedaço em cima de uma bicicleta...

Wednesday, September 27, 2006

Solta-me...

Estou à espera. Pacientemente mas estou. Não sei o que me espera. Mas estou expectante com um espírito rebelde e sem ordem que já me irrompe o peito e segue em frente a verificar o terreno. O sangue já me corre nas veias a uma velocidade perigosa demais. Mistura-se com a adrenalina ainda não experimentada e escorre em vermelho vivo pelas paredes do tempo vindouro.

Já me estranho a mim. Já estranho o espaço. Já estranho as pessoas que me prendem a uma distancia de pouco dias. Já não as consigo ouvir. Apenas consigo semicerrar os olhos e tentar olhar bem longe até conseguir ver o depois de amanhã. "Quero voar!"
Pendurados nos meus cabelos "aqueles" embalam-me em historias presentes. As de hoje. Simplesmente as de hoje... uma de cada vez!!

Sorriso. Sorriso preso nuns lábios que se perdem nos cantos da face. Pé que cambaleia para a frente e para trás. Desordem alinhada no coração. E estou presa apenas num fechar de olhos que me faz sentir sempre como se fosse a primeira vez que vou... apenas presa por um finíssimo fio.

Não sei como vou regressar. Não sei se quero regressar.

Solta-me... faltam três dias!!

Thursday, September 21, 2006

O homem com um lobo gigante!

A noite caiu. O silencio chegou. A cidade está escura. Bem alta, a noite, já corre no tempo adormecido em direcção a um novo dia da semana. É quinta-feira.
O Silencio da noite que viaja por estradas vazias. Por entre as torres e as lojas fechadas. Pelos muitos carros estacionados e alinhados. Por bancos de jardins presos. Por pracetas e pelo prédio da rua direita com vista traseira para os muros altos de um colégio francês.

Devagarinho o silencio vai subindo pelo prédio da rua direita ao minuto exacto que as luzes das janelas se apagam. Dão-se as boas noites às velhas rotinas e suspira-se por outras. Hão-de ser sempre velhas. Amanhã volta o ciclo... Sempre o mesmo ciclo.

Devagarinho o silencio sobe pelas as escadas e invade o primeiro andar esquerdo do prédio da rua direita. Entra pela fechadura, trancada a três chaves, que protege o apartamento de três assoalhadas. Todos dormem profundamente. Respiram calmamente em sonhos inconscientes. Uma sala. Uma cozinha ainda com odores recentes de sopa, de pão quente e de batatas fritas. A mesa continuou posta. É para pequeno almoço, de manhã não há tempo a perder. O quarto do pai e da mãe.

O quarto da menina e do rapazinho. O silencio brinca com as sombras causadas pela fosca luz da rua que invade a divisão pelos estores mal corridos. Transformam os brinquedos em outros brinquedos e dão-lhes vida em outras formas na parede amarela. Percorrem todos os cantinho do quarto. Sentam-se na cama da menina. Está de olhos abertos. Encaram-se os três. A menina, o silencio e a sombra.

A menina grita. O rapazinho acenda a luz e o pai parece. O silencio desaparece no meio das perguntas e as sombras voltam aos brinquedos.
- Um homem com um lobo gigante” Diz a menina apontando para a parede. O rapazinho ri. E o pai manda-o calar.

Apertou-a a sua pequenez contra o seu corpo. Afagou-lhe os caracóis castanhos e beijo-a na cabeça. A menina chora. O pai pega-lhe na mão. Levantam-se os dois da cama e o pai puxa-a. Ela recua. Não quer ir. Não quer ver. Lentamente o pai puxa-a para si e pega-lhe ao colo. “- tens que ver o que não existe

Agora descalços os dois percorrem a casa, juntos de mãos dadas. O quarto, onde a mãe cansada e sem paciência descansa da rotina de bibes, almoços banhos e jantares... não sabe que procuram um homem com um lobo gigante. A sala.
Na sala apagam as luz e sentam-se os dois debaixo da enorme mesa de madeira. Agora estão em silencio. Esperam. A menina aperta a mão do pai com força. O pai esconde a sua mão na dele. E ficam ali. Um coração disparado. Um outro transbordado. Vêm as sombras a regressar com a luz da rua que invade novamente a assoalhada. E sentem o silencio. Sorriem nas formas fantasmagóricas da parede azul. Fazem as suas próprias sombras. Imaginam mil seres.

Um carro pára por debaixo da janela... as luzes dos faróis batem nos muros do colégio francês e reflectem na janela. O homem com lobo gigante aparece.

Deitada na cama já adormecida, o pai contempla-lhe o sono tranquilo e sossegado. Passa-lhe mais uma vez a mão pelos caracóis castanhos. Ouve a sua voz sumida da menina.
- Quero casar e ficar contigo sempre... para nunca mais ter medo

Ficaram juntos para sempre. O pai continua a contemplar-lhe o sono. E a menina nunca mais teve medo.

Monday, September 18, 2006

Pedacinhos felizes

Cinco duendes. Cinco duendes felizes que dançavam por entre as estrelas brilhantes caídas no chão. Cospem fogo e tocam musica. Cinco duendes felizes vestidos de preto. Fogo frio que lhes arde no corpo. Fogo preso que lhes alimentam a alma. Paixão na primeira troca de olhares...

Seis Duendes. Seis duende felizes que dançavam por entre a melodia de uma flauta feita de cana. Cospem água, apagam o fogo. Seis duendes felizes. Cinco vestidos de preto e um vestido de verde. Fogo que arde no olhar, intensidade que explode no coração...

Cinco senhores. Cinco senhores felizes que dançavam por entre um banquete feito de açúcar. Falam numa língua que não entendo. Tocam-me na mão num sentido que percebo. Sorrimos por entre dentes luzidios no espírito de uma lua ausente. Paixão pelo momento. Chá quente de menta. Bolachinhas de sésamo. Fechar de olhos...

Seis senhores. Cinco senhores vestido de veludo branco e um vestido de vermelho. Oferece magia num copo com desenhos dourados, tapado com flanela transparente... Olho para dentro do copo e agradeço o momento.

Cinco amigos. Cinco amigos sentados na areia da praia. Trocavam palavras jogadas ao vento numa noite coberta de frio. Caiam estrelas desaparecidas em desejos comuns. Gritámos à brisa e tornámo-nos num só. Um ser completo sem o qual não consigo respirar...E o momento continuou, continua... e continuará...

Wednesday, September 06, 2006

As medusas!!


Existem aqueles que lhes chamam “alforrecas”. Eu pessoalmente prefiro chamar-lhes "Medusas". Talvez o nome me faça lembras “Musas”. Aqueles seres sobrenaturais e míticos que existem apenas em contos. E como é natural no meu Eu, é o que basta para transformar tudo numa viagem encantada.

Trocamos noite por dia. Trocamos horas confirmadas num imaginário relógio de sol. Paramos o tempo e esquecemos tudo aquilo que estava por detrás da altíssima parede composta por pedra, pó e vegetação que nos separava da civilização. E vislumbrei aquilo que apelidei de “Paraíso”. Andámos dois dias como os caracóis. Viajamos como o essencial as costas para sobreviver. Só isso foi o que bastou.

Tudo aconteceu no segundo dia em que assentamos arraiais em plena praia vazia de anos e almas humanas. As pegadas vistas pareciam fosseis que existiram há séculos. Parecia que por ali o tempo era apenas regida pela acção do vento e da maré. Ambos esculpiam como ágeis mãos de escultor sábio, formas e volumes nas rochas e areia. E o que mais me fazia sorrir era a sensação de ter os olhos das estranhas criaturas daquele habitat pregados no corpo com uma curiosidade voraz.

A noite estava quente demais para suportar o corpo comprimido contra a areia adormecido num sono tranquilo. E realmente uma agitação pairava no interior do meu peito que me fazia arregalar os olhos. Todos dormiam. Olhei o mar e decidi em fracção de segundo sentar-me mais perto da costa para apanhar uns farrapos de brisas fresca. Sentei-me e observei todo aquele ambiente. Murmurei pelos dias futuros em que iria ter saudade daquele momento. O que já está a acontecer. Deixei por fim a minha imaginação brincar no murmurinho das ondas que batiam a beira do mar.

Ouvi uma voz silenciosa. Seguida de um canto nunca antes ouvido.
Daqueles que só se ouvem quando se está na hora certo no sítio certo. Olhei em volta para procurar de onde vinha aquele canto sem lábios e os meus olhos prenderam-se nuns seres magníficos que deslizavam na suave maré. Tão lindos e tão intocáveis, aqueles seres de nome “Medusa”.
A lua suspensa em prumo produzia reflexos de luzes e cores nos seus corpos transparentes e nos seus múltiplos braços, que me trouxeram à memória cabelos à deriva, deambulavam num jogo de casamento eterno. Um jogo alucinante que alimentam os olhos daquilo que é belo para sempre.

No paraíso onde as "Alforrecas" são tratadas por "Medusas" existem cores que enquanto a vida soprar em mim nunca vou conseguir definir um único nome que seja para lhes atribuir. Violeta alaranjando. Amarelo dourado... não. Não consigo.

Dei por mim consumida num sentimento invejoso... invejei-as... adormeci...

Friday, August 04, 2006

"Em standby"

O corpo desespera pelo merecido descanso fustigado por meses seguidos. A ansiedade de que apenas duas horas passem rápido começa a confundir os murmúrios daqueles que se vão tornado invisíveis: “- o que se passa - pensam eles”. As conversas com os encantados cessaram e a imaginação abrandou por motivos reais demais, mas andei sempre por aqui de espírito a velar por eles.

Mas agora está na hora de fazer as malas e colocar num cantinho muito especial cada um dos seres que foi apresentado em cada uma das linhas deste abismo. Não posso levá-los a todos, alguns ficarão para tomarem conta e fazeres as honras na minha ausência. Outros, os que nasceram aqui, irão comigo nas melodias. E durante um mês apresentar-lhes-ei fora de um mundo virtual, tudo aquilo que os meus olhos registarão e todos os elemento que alimentam a minha imaginação.

Entre Regina Spektor, Antony, Feist , Luke Hains, Hope Sandoval, Belle and Sebastian, Sting, Nina Simone, Paul Hogan e gargalhadas muitos sorrisos, risos, borboletas, paixões alheias mas tão proximas, desilusões, humores e amores... é assim que vou.
Mas são estas as vozes e elementos que vão guardados na malinha por debaixo do banco, e que cada vez que atravessarem o meu sentido auditivo imagino a pessoa que lhes atribui...

Aquelas que fazem parte deste doce abismo.

até lá... ao longuínquo Setembro!!

Wednesday, July 26, 2006

Revelatione

- Deixa-me experimentar!! Pulou em saltinhos nervosos
- Tem cuidado, é muito peso para ti...
- Não. Eu consigo. Respondeu decidida
- Não te afastes!!
-
Acelera. A sensação de liberdade é demais para descrever como ela me contou. O vento redobra perto dos ouvidos e sussurra palavras de encanto levando-a a completa loucura. Em atenção redobrada na manobra de uma coisa completamente nova, e de um sonho mais do que desejado, mas semi- concretizado, sorria. Os cabelos chicoteavam a brisa e parecia que sempre fizera aquilo. Alias sempre o fizera, mas em desejos mais pequenos.

O fim do curto caminho foi alcançando. Ficou presa no regresso. Apercebeu-se que aquele desejo não era para ser vivido sozinha, chamou-o. Ainda tentou até à exaustão soltar-se das correntes. Resignou-se. Enquanto ele se aproximava acalmou e o coração disparou. Procurou os seus olhos. Prenderam o olhar em tantas certezas anteriormente postas em causa e arrumadas num cantinho chamado eternidade. Tentou reprimir as lágrimas em vão que, magicamente mesmo antes de se pendurarem no fundo do rosto, iam secando cada vez que ele se aproximava, e como um bálsamo para todos os efeitos explodiu. Sentou-se. Agarraram-se...

- Anda, eu levo-te. Murmurou num lindo sorriso.

Friday, July 21, 2006

A arvore que era branca...


A certeza estava num grito que seria branco. O conceito desde cedo que se enquadrava na simplicidade daquilo que considerava belo. Olhei-a pela primeira vez num papel digital e automaticamente os ramos presos pela objectiva sussurraram o meu nome em silvos repetidos. Estremeci. Sabiam o meu nome. Sorri.
Senti na pele o vento que se cruza em uivos nos seus numerosos braços feitos de raízes entrelaçadas e na boca um sabor a perlim pim pim...
Inspirei. Inspiro e transformo-me em qualquer coisa não humana. Sou vento, brisa, pó, fumo cor de rosa... qualquer coisa que me envolva numa gigantesca harmonia...

Shuuuuuuu escutem!!!

Wednesday, June 28, 2006

Coisas do quotidiano!

Hoje, como todos os dias úteis, e repito úteis, levantei-me ao som do despertador cujo o toque já foi mudado mais de cinco vezes no espaço de uma semana. Tento desesperadamente enganar o consciente adormecido que já reconhece todos os seus toques e o cansaço que já alucina por descanso, mas o resultado é sempre o mesmo. Adormeço mais dez minutos.

Sentei-me na cama a espancar os últimos rasto de preguiça do corpo, e no cérebro ainda me queimava a discussão que se desencadeou na reunião do dia anterior com o senhor “Não me chateies e deixa-me lá faltar depois de amanhã”... Fechei os olhos.

Ainda sentada na cama senti uma comichão enorme no fundo das costas. Joguei os dedos com a intenção de coçar e eis que senti uma camada escamosa. Mais uma vez abominei o chocolate que tinha devorado depois do jantar. Por mais que me provoque alergias pavorosas nunca resisto.

Arrastada pelas horas abri a torneira para o duche, olhei-me ao espelho. Não me consegui ver com o vapor da água quente. Lambi-me. Olhei em volta e tropecei em alguma coisa. Levantei-me, virei-me e voltei a tropeçar, amaldiçoei o tapete que passa a vida enrolado nos meus pés. Optei por ignorar tudo, mas tudo mesmo e preocupar-me exclusivamente por me pôr a caminho já atrasada. Espremi a pasta para a escova de dentes e lavei aquilo que eu pensava serem dentes... e não umas enormes mandíbulas de onde brotavam (...) alguém ou um vulto passou por detrás de mim. Eu vi, desfocado no espelho mas vi. Paralisei de medo. O que raio estaria comigo dentro da casa de banho. Mais uma vez. Direita, esquerda.

Lambi-me, lambi-me e voltei a lamber-me e única coisa que me saltava ao sentido cheiro era o pequeno almoço. Respirei fundo e enchi-me de coragem. Voltei-me (...) e um GRITO ensurdecedor saiu-me dos fundos mais recônditos da garganta. Com escamas intervalada entre o vermelho e o azul cobalto, uma enorme cauda surgia do fundo das minhas costas e enrolava-se no chão com extremidade terminada em seta. Decerto neste momento estava a alucinar só podia... estaria ainda sonhar dentro da minha própria realidade.

Seguiu-se uma enorme dor numa das omoplata e a seguir na outra. Guinchei e senti nos cabelos o vento de umas pequenas asas feitas de cartilagem e uma fina membrana de pele... chegou a minha hora, só podia!!!

Voltei a gritar de horror e um lance de chamas saiu de dentro da minha boca. Peguei fogo à casa de banho. Na mistura de sensações sem saber como agir numa situação em que me transformava em qualquer coisa não humana levantei voo, instintivamente. Voei pelo tecto carbonizado. Lambi-me e apercebi horrorizada da minha pobre figura... olhei-me e vi-me coberta de escamas intervaladas de vermelho e azul cobalto, umas enormes garras substituíam-me as mãos e os pés. Até um chifre tinha no alto da cabeça. Num voo alado dirigi-me à Serra para me esconder.

(Já me imaginava a entrar no escritório para começar a trabalhar e todos a correr apavorados à minha frente. O mais engraçado seria tentar escrever no teclado com umas unhas enormes e amareladas. Melhor ainda seria o senhor “Não me chateies e deixa-me lá faltar depois de amanhã”... a perguntar-me corajosamente porque tinha chegado atrasada. Até aqui tem uma certa piada).

Desviei a cauda e sentei-me numa das pedras que circundam a serra. Chorei. Olhei para a minha barriga enorme e para as minhas pernas minúsculas que terminavam nuns pés cheios de altos escamados e com unhas curvadas para dentro, ainda por cima amarelas!! Voltei a chorar de desgosto e apenas lamentava o facto de estar transformada num descomunal Dragão. Lambi-me. Ainda não me tinha visto por inteiro, mas só de me imaginar a lágrimas jorravam de uns olhos anormalmente redondos e enormes, que se fizesse um esforço até a meu próprio rabo eu conseguiria ver. Lambi-me e saboreie as minhas lágrimas que eram doces. O estômago roncou. Lambi-me.
Pus-me de pés e olhei num potencial pequeno almoço, decerto com o estômago cheio conseguiria pensar melhor no que fazer e como agir. Com um andar esquisito, aliás bastante esquisito, cambaleava para os lados cada vês que esticava uma das minúsculas pernas e tropeçava nas minas próprias unhas percorri o pequeno bosque onde eu estava(...)

Um sorriso enormes pregou-se nos meus lábios. Bem, até hoje nem sei se tinha lábios. Melhor mesmo será dizer que um gigantesco sorriso se pregou na minha gigantesca bocarra, quando pensei no sabor que o senhor “Não me chateies e deixa-me lá faltar depois de amanhã” teria??!!!

Com as minhas reacções a uma velocidade superior às do meu cérebro, voei por instinto. E quanto mais me tentava controlar mais as asas batiam em direcção a um local que eu tão bem conhecia. Parei do lado de fora do edifício. Lambi-me e procurei a janela exacta. E como um perdedor faminto farejei a minha presa e voltei a voar mais para cima. Pairei do lado de fora da janela certa (...)
Lá estava ele, sentado na sua poltrona de pele de crocodilo (senti uma tristeza enorme por aquele meu primo distante transformado em cadeira) ao de leve toquei no vidro com a unha. Ele virou-se e deixou cair o telefone...

O despertador voltou a tocar. Tinha adormecido os habituais dez minutos. Despachei-me o mais depressa que pude e pus-me a caminho. Parada no transito e já a tentar inventar uma desculpa para mais um atraso, comecei a recordar-me de um sonho com dragões. Era engraçado desculpar-me dizendo-me que me tinha transformado num dragão. (no mínimo acabaria no fundo desemprego).
Quando entrei no edifício estavam todos descontraidamente a conversar. Achei estranho, porque o senhor “Não me chateies e deixa-me lá faltar depois de amanhã” por regra geral percorre os corredores e coloca toda a gente sentada no seu devido lugar... a produzir. Como precisava mesmo de faltar depois de amanhã não esperaria nem mais um segundo, subi as escadas e dirigi-me ao seu gabinete:
- Alice, o senhor “Não me chateies e deixa-me lá faltar depois de amanhã”, está ai?
Alice olhou para mim com um ar de espanto...
- Mas tu ainda não sabes???

O pobre senhor “Não me chateies e deixa-me lá faltar depois de amanhã”, tinha-se sentido mal. Alice cuja a secretária está mesmo colocada junto a sua porta e as suas tarefas separam-se entre levar-lhe cafés e dar as más noticias ao pessoal, ouvira um ensurdecedor berro vindo de dentro do seu gabinete. Apressara-se a entrar na sala e já o encontrou desmaiado e em estado de choque.
- Alguma notíca que recebeu ao telefone!!! Disse ela com gravidade...

E fiquei a pensar seriamente:

- mas afinal depois de amanhã posso faltar ou não?

Wednesday, June 21, 2006

Starlight...

Perdi o controlo na loucura que os dias me proporcionaram e... andei com a musica dentro do corpo e como se de uma paixão se tratasse não consigo respirar na sua ausência. Absorvo cada palavra que se grita por cada poro que tenho na pele. E encolhe-se em arrepios.

Perdi o controlo na loucura que os dias me proporcionaram e... sem dar por isso transformei-me em cavaleiro na conquista de mais um reino que numa velocidade alucinante percorre vales montado num cavalo alado de asas doiradas. Sobrevoo castelos, florestas vermelhas e lagos cobertos seixos. Nas suas águas mágicas reparo de relance no meu reflexo e sorrio porque voltei a mudar de forma e cor. Sou homem, sou mulher e criança não sou ninguém. Sou um mágico, um mago uma fada um pirilampo. Não existo!
E naquelas modificações constantes de personalidades estendo as mãos que se escondem numas mangas cor de laranja e equilibro-me no dorso do corcel, cortando o vento que me eleva a uma liberdade extrema.
Sou quem e o que eu quiser...

Perdi o controlo na loucura que os dias me proporcionaram e... sou tempestade que se apaixona pela chuva e se agoira em trovão que descarrega a sua ira no longínquo oceano. Sou liquido que se mistura com sal e areia. Vagueio pelas corrente marítimas e dou uma volta completa ao mundo. Evaporo-me e volto ao vento tornando-me invencível e indestrutível naquela forma mais simples que não se vê. Sente-se. Revolto os cabelos de uma princesa que chora presa numa torre. Sou essa mesma princesa que morre de amor por quem não vêm e sou o príncipe que lhe dá o eterno beijo.

Na pausa de uma musica para a outra abro os olhos e aproveito para descansar porque sei que assim que começa lá vou eu novamente como se do nada uma mão cheia de força me puxasse. E estou sempre a sorrir e a querer mais. Conseguindo voltar sempre para mim...

Tuesday, June 06, 2006

Um sorriso ao cimo das escadas

Quantas vezes dou por mim a navegar por mundos emprestados e muitos são aqueles que me deixam suspensa nas batidas rápidas do coração e me envolvem as entranhas. Fico quieta num canto e observo apenas sem fazer barulho, deslumbrando-me de tal maneira que tento sempre inspirar um bocadinho daquela essência e guardá-la num cantinho das bochechas soprando-a quando me sinto inanimada. Muitas são as vezes que vou sozinha, alias quase sempre e faço de maneira que ninguém me veja e sorrio entre uns lábios escondido até que por fim regresso numa suave aterragem... sem um único arranhão.

Convenci-me que tudo o que me rodeia é mágico. Transformo simples mortais em seres encantados que preenchem a minha vida de encanto e dou por mim a pensar que tudo e todos são imortais e sempre que quiser vou poder fechar os olhos e voltar décadas atrás mas...

Agora aproxima-se o momento em que vou subir aquelas escada de madeira que rangem ao peso do pé e não vai lá estar aquele sorriso por detrás daquela porta pintada de branco. Ninguém vai abrir. Se sorte tiver ocasionalmente ela abrir-se-á de velha e abandonada que está. O espanta espíritos vai tilintar num corrente de ar que se troca com uma janela de vidros partidos e eu vou tentar entrar. Pegarei nos retratos gafos pelo pó e com a ponta do dedo limparei aqueles rostos tão antigos presos em papel. Rosto que já não existem ou simplesmente estão imortalizados em genes apôs genes. Enquanto percorro o resto do apartamento afastarei da cara as teias persistentes dos seus novos inquilinos e tento não perturbar a sua paz.

A mesa do chá o cheiro da caixa das bolachas de baunilha estarão e ficarão sempre lá e aqui, nas minhas narinas que acolhem odores a partir do meu melhor sentido. A sensação de uma vida que ali existiu, mas que ainda não partiu, já não volta para mover os objectos e os trocar constantemente de lugar vai encher-me os olhos de lágrimas. Beijarei as dedada deixadas nos livros que foram lidos tarde após tarde, e vou inspirar cada palavra que me ferve na memoria recordando cada história contada com a convicção de uns olhos pintados de azul transparente.

Por fim antes de me virar para fechar a porta branca atrás das costas, olharei para o pequeno escritório e repararei na manta esquecida na cadeira de madeira muitos dias antes. Devagar aproximo-me e toco-lhe ao de leve com as mãos. Inspirarei o cheiro do corpo que aqueceu... e o que vou sentir?!

A porta branca fecha-se atrás das minhas costas. Começo lentamente a descer os degraus de madeira uma a um... Sopro os pós mágicos que trago num cantinho das bochechas e lá em cima oiço:
- Amanhã à mesma hora...


Quanto tempo é o suficiente para dizer adeus para sempre...

Thursday, June 01, 2006

“Brilhozinho nos olhos”!!!

Estacionei o carro, no mesmo sitio onde aprendi a andar de bicicleta. Olhei em volta e reparei em como tudo estava na mesma. Os mesmo cheiros e as mesmas pessoas. Pessoas essas que outrora eram jovens adultos penduravam-se agora nas varandas aproveitando o vento morno de uma noite de verão que lhes sopravam amenamente nos cabelos já grisalhos. Falavam umas com as outras de assuntos corriqueiros e conforme vou passando acenam-me em sinal de reconhecimento e sorriem perante a pequena pessoa que ali já brincou. Muitas delas são os progenitores daqueles que comigo descobriram as maravilhas do pequeno bosque que foi substituído por mais um prédio, cimentando hoje apenas a recordação de risos e gargalhadas de crianças. O bosque onde conheci a “Rainha dos Seixos”.
Passei pelo “lugar” da esquina onde ainda a Dona Cila avia os seus cafés e copos três. Engraçado nunca conseguiu dizer o meu nome como deve ser, tira-lhe sempre o único “ R” que têm, ontem não foi excepção(...)

Cheguei à porta da casa que mais recordações me trás. Os mesmos sorrisos e cheiros estão sempre lá. É a casa onde volto rigorosamente como uma ave migratória. Sei sempre que posso voltar.
Não entrei. Não logo naquele instante. Olhei o muro que segurou a minha adolescência. Descalcei-me e pendurei-me como sempre o fizera. Faltavam os outros mas bastou fechar os olhos para os sentir ali... os primeiros pactos de amizade, as primeiras ilusões e desilusões. E deixei-me estar ali sem me preocupar com quem passava.

Sem dar por isso comecei a cantar baixinho uma musica que já não me passava pelos ouvido há muito tempo mesmo:

“Com um brilhozinho nos olhos
e a saia rodada
(...)
“é que hoje fiz um amigo
e coisa mais preciosa
no mundo não há.”

Continuei de olhos fechados, e a musica surgiu-me nos lábios com se a estivesses a ouvir:

“E com um brilhozinho nos olhos
tentamos saber
para lá do que muito se amou
quem éramos nós
quem queríamos ser
e quais as esperanças
que a vida roubou
e olhei-o de longe
e mirei-o de perto
que quem não vê caras
não vê corações
com um brilhozinho nos olhos
guardei um amigo
que é coisa que vale milhões.

E que é que foi que ele disse?
E que é que foi que ele disse?
Hoje soube-me a pouco
Hoje soube-me a pouco
Hoje soube-me a pouco
Hoje soube-me a pouco
Passa aí mais um bocadinho
que eu estou quase a ficar louco
Hoje soube-me a tanto....
Portanto, hoje soube-me a pouco*”

No fim um enorme aperto no peito pensei: “terei eu este tempo que passou, passado pela vida, ou foi a vida que passou por mim?!


E com um brilhozinho nos olhos voltei a calaçar-me e subi as escadas até ao primeiro andar da segunda casa. Cheirava a ervilhas. Sorri com todos os dentes que tinha, e senti as minhas certezas dentra das minhas escolhas feitas até ali...

* Sérgio Godinho “Brilhozinho nos olhos”!!!

Thursday, May 25, 2006

Guerreiro!!


Ontem pensei que era uma simples navegante, caída de um dos vazios que se formam quando os mundos se unem, e na tentativa de passar de um para o outro desequilibrei-me e escorreguei por ai abaixo.

Encontrei-me com os pés em terra firme, vestida a rigor num fato feito de malha de prata e um medalhão descentrado no peito que me protegia o coração de alguma arma alheia. Caminhei com umas botas de ferro que me fustigavam os pés e empunhava uma espada enorme que me desequilibrava...

Senti-me um guerreiro em defesa do seu castelo que no interior continha o que mais amava. Defendia com unhas e dentes aquilo que era meu, e sentia-me invencível em lutas de campo aberto. Lutei contra outras espadas e armas que desconhecia, lutei corpo a corpo e gritei por ajuda.
No tilintar das espadas não ouvi nenhuma voz humana uns lábios sequer se abriram. Olhei em volta e tantos eram os olhos que me observavam cabisbaixos. Estiquei o braço e esperei pelo toque... não senti...

Olhei em frente... afinal a minha missão era travar uma luta que não era minha.. estava ali como uma "Navegante" do tempo de terras longínquas, enviada simplesmente para proteger... de espada em punho.

Monday, May 22, 2006

Tudo por causa da luz...




- Fiquei sem luz. Vai tu à frente que não consigo ver nada...

- Bolas também fiquei sem luz e não consigo ver mesmo nada.

- Como é que é possível que três lanternas ficassem sem pilhas.
- Não faço ideia. Mas estou a ficar cansada e com fome. Vamos andado para a frente e guarda-se a franca luz existente para jantar...


Um pequeno calafrio percorre a espinha e provoca risos nervosos. Está mesmo muito escuro. E não se vê um palmo à frente do nariz. A adrenalina estonteante enfraquece com a sensação de nos cruzarmos com um inimigo imaginário. Sim porque já me imaginava a combater um “trol” de dois metros a babar-se com saliva verde florescente e o ter que fugir dos seus golpe fatais aos guinchos. Ou até mesmo para os mais sépticos os reais morcego que sombreavam de arvore em arvore por cima das nossas cabeças. Dando-me um único reflexo de repugnância, embrulhei a cabeça na camisola e todos pensaram o pior quando me olharam.

- Cuidado com o buraco. Outro buraco. E mais outro.

Caímos para o chão agarrados à barriga que dói de tanto rir. E no momento em que nos acalmamos entre nervos e gargalhadas reparamos no silencio. No saboroso silencio do qual estávamos rodeados. Senti os pés a começarem a flutuar e a imaginação a flui a mil quilómetros por hora... e o resto deixo ao sabor de quem quiser imaginar...

A fome aperta em ronco no estômago e o jantar que pesa dentro das mochilas. Sentados em amena cavaqueira e utilizando as pontas dos dedos como olhos devoráramos aquilo a chamámos "Manjar dos deuses".

Da garganta da floresta ouve-se uma voz cavernosa:
- O que é que estão aqui a fazer?????

Gritos. Mais gritos. E mais gritos...

Alguém chorou com o susto. Houve quem não tivesse parado de rir e houve até quem tivesse que fazer o resto do caminho despido da cintura para baixo, porque não havia lua para secar calções. :-)

Monday, May 15, 2006

felicitate

Não. Não quero parecer que me repito. Mas tenho receio das minhas palavras parecerem sempre iguais porque raramente encontro outras tão simples para definir um sentimento tão grandioso e tão intenso.

Não. Não quero parecer que me repito. Mas é impossível deixar de escrever que mais uma vez me incorporei de tal maneira que pensei fazer parte da paisagem. É como ter um pé preso num grosso tronco que se agarra ferozmente à terra e baloiço com o vento que emaranha os cabelos como se de folhas e lianas se tratassem. Poderia estar suspensa no abismo e não cair, olhar lá para baixo e conseguir sorrir perante o auge de uma felicidade que me transporta para um lado transcendente demais, e quando tenho a sensação que não vou aguentar por tanto acreditar várias mãos firmes esticam-se do outro lado e puxam-me numa elasticidade que me permite permanecer com um pé em cada banda. É um doce esquecer que tudo existe e um viver constante de experiencias diferentes.

Não. Não quero parecer que me repito. Mas dou por mim pensar que é irreal ter um ponto focado numa realidade que inconscientemente fui escolhendo e se entranhou. O simples facto de me sentir viva dentro dessa mesma escolha enche-me os olhos de lágrimas, mas lágrimas que correm alegres por um rosto vincado de aventuras levadas pelo ontem e anteontem. Aventuras que não voltam a trás apenas andam para frente cada vez com mais e mais vontade de ver e apreciar como vai ser amanhã. Entretanto vou recordando tranquilamente nos olhos castanhos, cor de mel, azuis e verdes que como meus contemplam o horizonte.


O jantar foi servido às vinte e três e trinta e cinco sobre uma mesa feita de areia e cadeiras construídas a partir de madeira velha trazida pelo mar. A toalha finamente desenhada com losangos em alto relevo segura os copos que esperam ansiosos para serem cheios com o liquido* levado e tocados num brinde. Nos pratos imaginários que se seguram na palma da mão, a refeição é meticulosamente digerida, pedacinho por pedacinho...

Wednesday, May 10, 2006

Os dias que são assim!!

E quando se pensa que já se viu tudo, ou se conhece um sitio como as palmas das nossas próprias mãos, eis que somos transportados para uma dimensão completamente diferente. É como se existe uma porta que delimita o conhecimento e que só se abre a partir de uma hora. Aquela em que ninguém de certeza ali passará. Está ligada a um automatismo muito antigo codificado com as horas do sol, confundindo-se com a paisagem não transparecendo nas formas e invisível a olhos nus. Mas não sei se fui eu que dei as voltas ao sol ou se a porta se enganou na sua reforçada segurança e baixou a guarda... não estando à espera que os intrusos estivessem ali na hora nove marcada pelo sol.

O alcatrão transforma-se em calçada de pedra gasta tornando o percurso mais penoso e fazendo a adrenalina subir perante cada obstáculo. Puxamos uns pelo os outros e felicitamo-nos com a vitória de cada um, sim...porque infantilmente... quando nos juntamos a união que se sente é tão forte e o sentimento de protecção e zelo é tão exemplar que não existem palavras para o descrever. E o rir posteriormente com aos relatos das escolhas mais estapafúrdias: no meio de tantos caminhos e encruzilhadas que se apresentam à nossa frente, acabamos sempre por cortar os mais dificeis, discutindo num completo gozo o “sexo dos anjos”.
(...)

A medida que avançamos os cheiros vão sendo cada vez mais intensos e invadem cada narina a procura do seu lugar. Cheira a pinheiro, eucalipto, acácia, alfazema, terra, pó e um aroma adocicando que ainda hoje aqui sentada com a sua recordação não consigo decifrar o que seria.. o que é. É como ter uma vaga ideia de qualquer coisa que fica a martelar na cabeça e uma curiosidade que não se consegue aniquilar. Mas ninguém tocou no assunto, decerto no fundo todos eles sabiam o que era e apenas eu sem coragem para perguntar fiquei na ignorância.

Seguimos o aroma adocicado que se intensificava cada vez mais e parámos perante mais um obstáculo que pensei que jamais iríamos conseguir atravessar. Alinhados num desalinho completo, ficamos em silencio e boquiabertos perante aquilo que parecia uma porta gigante derrubada. O mais corajoso e arrojado atreveu-se. Desapareceu. Depois seguido de um outro e mais outro. Fiquei para trás...

No céu ainda estavam suspensas as cores do sol que partira e a lua que sorria preste a encher quando senti o que tinha atravessado... do outro lado quatro sorrisos...

Wednesday, May 03, 2006

Vou lá eu saber porquê...

Madruga, crepúsculo e orvalho. Verde, amarelo e castanho. Contos lendas e mitos. Realidade, imaginação e ficção. Receio e Arrepio. Estrada vazia, três pessoas em silencio. Shiuuuu... deixa ouvir. Catrapum cai... pois é... dor, muita dor. Fio de sangue morno que corre pela minha perna abaixo, dói muito mesmo. Não aguento choraminguei. Vou olhar. Vi o sangue. Suores frios, Coração a mil e desmaiei. Voltei a mim. Olhei novamente o sangue que brotava da canela ferida. Tontura e voltei a desmaiar. Bofetada e agua. Continua a doer muito. Longe de casa. Bolas... voltei a olhar para a ferida. Desmaiei pela terceira vez, mais uma bofetada, mais agua. Mas o que é que se passa... Deixem-me respirar. Podes parar de olhar para mim?

Olhei novamente para a perna e já não vi o sangue vi apenas um pequeno arranhão. Corei por detrás dos dedos vincados nas bochechas. Senti o coração a voltar ao seu compasso normal, respirei, acalmei. Agua que batia em golfadas no fundo da garganta seca, rosto empoeirado delineado com lágrimas. Olhos assustados. Consegues levantar-te? Consegues continuar? Sorriso. Adoro-vos. Tens que repor energias... "Sumol de Laranja" e "Bolas de Berlim" esmagadas no fundo de um saco de papel. Quem colocou o rabo em cima minha mochila...

- não queres antes um chá?
Sim, sim... Tentei imaginar onde raio ia-mos ferver um chá naquele sitio... gargalhadas!!

Recordo de ser miúda, cair de qualquer coisa abaixo e ficar com os joelhos completamente descarnado. Olhava encolhia os ombros e continuava... não me lembro de fazer este género de fitas... que "vArgonha!!!"

Monday, April 24, 2006

22 e 23 de Abril de 2006

Atravesso o portal das palavras e não consigo escrever uma só que seja. Frases que não se consigo construir porque não sei descrever...
Foram dois que se transformaram em quatro e quatro que se transformam em oito. E oito foi o derradeiro numero para sentir uma enorme sensação de querer rebentar e ficar ali descoberta em vário pedaços vivos distribuídos pelos mil sítios que os meus olhos tentar registar em vão por serem demasiado humanos. Não vou conseguir escrever ou descrever o que quero, simplesmente está fora do meu alcance porque é intensos demais e tenho receio de não empregar as palavras correctas e induzir em erro.

Poderia falar do cheiro e do aroma... das arvores molhadas do chão encharcado e da chuva que não pára de cair. Poderia falar das vozes que soam das matas dos pinheiros e do silencio que ecoa os meus passos que raspam na paisagem à minha passagem. Poderia falar na magia da noite e do céu que desenha lindas formas em nuvens negras...

sim poderia falar disto tudo e criar uma linda história. Mas o corpo está cansado demais para aquilo que esconde por dentro. A mente não consegue acompanhar o sentimento... e as palavras nunca serão suficientes para consignar tal momento.

Por isso devagar e com muita calma vou regressando. Olho com estranheza os elementos que fazem parte do meu dia a dia e dou por mim a sorrir, imagino que viajei durante anos e quando regressei nada tinha mudado. Observo as pessoas com a sensação que nunca saíram do mesmo sitio e vagamente vou-me lembrando de cada uma delas e do papel que representam na minha vida (...)

quase que me apetece tatuar esta data num dos braços :-)

Friday, April 21, 2006

Gavetas e mais gavetas

Por vezes dou por mim a pensar que sou constituída por gavetas. Infinitas gavetas que formam olhos boca nariz e pescoço. Braços pernas e todo o resto do corpo. Infinitas gavetas cheias de sentimento que construíram um coração, e infinitas gavetas de várias das cores e feitios que formam todo o resto. Alguma não se abrem ou nunca se abrirão...Ficarão para sempre à espera que eu própria saiba distinguir o derradeiro momento para o fazer. E se não tiver tempo na intensidade em vivo os meus dias, a alguém um dia as transmitirei e acredito que seja feito através de mim...

Porem existem duas que nunca me lembro de as ver fechadas. Uma é completamente indescritível e são muitas as vezes em que inexplicavelmente entro no seu interior à procura de resposta mas apenas ainda trago mais dúvidas. A outra empenou ou simplesmente é grande de mais para caber no seu lugar. E por mais coisa que tente guardar coisas no seu interior nunca fica cheia. Tem sempre espaço para mais e mais. E sempre que procuro algo dentro dela encontro sempre, posso demorar alguns minutos e chegar a pensar que se perdeu, mas não ela está sempre lá, aberta à espera que coisas novas entrem e ocupem o seu espaço no meio de tão pouco espaço. Chamo-lhes coisas mas tem nome... que começam por várias letras. De A a Z...

Wednesday, April 12, 2006

O livro que chegou ao fim!

O livro que chegou ao fim. E outro que pulam na estante pela atenção dos meus olhos e pelo toque dos meus dedos. Já os li todos e alguns mais do que três vezes. Tenho livros assim, que entro de tal maneira nas história que depois não consigo distinguir. Digo a mim própria que tenho que os voltar a ler para perceber a história quando no fundo já tinha percebido, apenas quero é repetir a aventura sem ter que me justificar. E agora ficam ali arrumados nas prateleiras a amarelar com o passar do tempo e ganhar o cheiro das letras encafuadas. Mas gosto de os ver ali expostos por cores e alguns por números. Por vezes sento-me no sofá a observar a minha mini biblioteca e imagino que são as minhas aventuras catalogadas por ordem de vivencia.

O livro que chegou ao fim. E na estante da mini biblioteca não existe nenhuma novidade. Já os li todos e alguns mais do que três vezes. Mas tenho outros que começo a ler e depressa abandono as personagens num mundo suspenso das suas desinteressante histórias.

Peguei num desses livros e sentei-me no jardim que geralmente me convida para umas horas de leitura. Recostada no banco de madeira verde coloco no colo o desinteressante livro e espero que a vontade chegue. Sem dar por isso um rapazinho que parecia ter nove anos sentou-se ao meu lado. Olhei e esbocei um simples sorriso. Devolveu-me o sorriso com um dente partido. Entreguei-me novamente a pouca vontade e pensei que estaria na hora de abrir o livro e dar uma nova oportunidade as aquelas pobres personagens.

- Sabe o meu avô está muito doente.
Fechei o livro
- Sinto muito
- Eu também.

E o rapazinho continuo. Com um som assobiado que surgia do dente partido narrou sua vida vivida nas histórias mágicas que o avô lhe contava. E comecei a conhecer essas histórias, quase ao pormenor de lhes conseguir acabar as frases... parecia as que outrora imaginara e tinha a certeza de não as ter lido em livro algum.
Olhei para as minhas mão estavam mais pequenas, vi os meus miúdos joelhos rasgados das quedas de bicicleta mal coberto com a saia que a minha mãe fazia a condizer com a camisola.

Sem dar por isso tinha entrado na maquina do tempo e regressei aos meus nove anos, o banco verde desapareceu e o jardim tornou-se em mato pronto para ser desbravado em buscas de anéis e elfos encantados. O mesmo menino deu-me a mão e Disse – “Anda!! ainda não viste o que está dentro daquela gruta” e corremos de mão dada em direcção a uma mirabolante aventura.

O livro das personagens suspensas nas suas histórias desinteressantes caiu ao chão. Abri os olhos e estava sentada no banco de madeira verde... sozinha. Olhei em redor e nem sinal do rapazinho, só podia ter adormecido e sonhado. Inclinei-me para apanhar o livro, e abriu-o no colo..
Comecei a folheá-lo para procurar a ultima página que tinha lido... e a medida que as passava uma a uma diziam “fim”...

Thursday, April 06, 2006

Rostos




Porque o tempo não pode voltar atrás e as lágrimas não recuam. A vontade é reprimida e o grito mudo. O estômago revolta-se com as sensações e o coração dispara. É como se estivéssemos apaixonados mas é muito melhor do que isso.

Porque viajamos sozinhos em mundos que pensamos ser só nossos, mas por lá encontramos outros iguais a nós próprios. Um mundo onde a imaginação e a fantasia reinam lado a lado governando pequenos seres que nos encantam e respiram pós mágicos.

Porque adormecemos sobre o que não nos interessa e levantamos os pés para um voo do qual não queremos voltar. E quando somos obrigados a regressar deixamos por lá sempre qualquer coisa. Eu deixo. O meu espírito que é tão teimoso e rebelde. Depois quando me tento concentrar, sussurra-me palavras enfeitiçadas ao ouvido, levando-me a mente e o coração, deixando-me apenas cheia de correntes de ar...

Mas a verdadeira magia está em saber que por detrás de palavras escritas, sentidas e faladas existe sempre um rosto vincado em feições. Um rosto que ri, chora e envelhece como o meu...

Thursday, March 30, 2006

Para nunca esquecer o "ontem"...



Noite, passeio, meias, ténis rotos. Queda, dor, sorrisos, gargalhadas, suor que arrefece a pele que escalda, brisa fresca, esplanada e saudades das noite de Verão. Café e àgua com muito gelo e casca de limão. Pessoas que passam e pessoas que já passaram. Boas noites em atraso e o até amanhã desejado. Cansaço, voltas na cama e o acender de luz. Copo de leite e pinhal. Musica, sonolência e sonho...

Tuesday, March 28, 2006

Sempre com um sorriso nos lábios...

- Onde dói?
- Aqui...
- Ai onde?
- Aqui bem debaixo da camisola, da pele e da carne...
- Deixa ver...
- Não... não podes... não se vê...
- Porque te dói?
- Desde ontem que a minha cabeça não para de latejar e sinto que o coração me salta pela boca.
- Mas quem te fez mal...
- Não foi quem... foi o quê!!!

Desde ontem que ando assim... voltei a não dormir. Prometi a mim mesma que não voltaria lá, mas foi impossível. O meu coração alia-se de tal maneira a minha imaginação que a mente não obedece aos estímulos do que é consciente. E sei que nos dias mais rotineiros não posso lá ir, porque não tenho forças suficientes para voltar ou simplesmente não quero.

Olhei, e como sempre lá estavam ambos há minha espera sentados no limite da rocha com os pés pendurados para lá, bem ao lado do ponto geodésico... o sol ainda estava bem alto, mas reparei que se preparavam para passar noite. Por vezes penso que para eles é tudo tão mais fácil, conseguem-se desligar em escassos segundo enquanto eu vou largando bocados de mim e andando só por metade... e mesmo que depois que os queira juntar novamente tornam-se incompatíveis...

Desta vez fui a pé, para demorar mais tempo e para o caso de me arrepender voltar para trás ainda mais devagar. Vou assustada porque sempre que me chamam sem aviso prévio é por alguma coisa não estar realmente bem. E desta vez não foi diferente, num raciocínio rápido senti a má noticia que lhes ardia nos lábios.

Alguém destruira por completo o mundo de Henric... fora assaltado no sossego da sua auto caravana. Alguém espatifou por completo tudo o que ele tinha, destruindo em pontapés tudo o que era quebrável...

Mas o que é realmente fantástico, é a forma como aquele homem aceita este facto sem julgar e continua a sorrir enquanto recolhe cada caco com as pontas dos dedos...

E continuo com o coração pesado... porque não quero sentir pena dele ... mas neste momento não consigo ter outro tipo de sentimento qualquer...

Monday, March 27, 2006

Não posso dizer... não posso!!!

- Pssssiiiiuuuuuu, hó vizinha, vizinha...
- Sim, diga rápido que tenho o feijão ao lume!!
- Já soube?
- Soube do quê?
Apontando com dedo indicador para a terceira casa do bairro e respondeu:
- O Teodoro tem nova mulher. (sussurrou em tom de escárnio).
A outra colocou uma cara de horror e esquecendo-se completamente da panela que apitava no fogão...
- mas o lado da defunta ainda nem arrefeceu...
- É para ver vizinha, como são os homens. Não podem estar sozinhos.
- E é aqui do bairro?
- Não se sabe, nunca ninguém lhe pôs vista em cima, apenas já à noitinha se dá por ela... aqueles que lá por perto passam ouvem-lhe os passos.
- Só à noite? Que pouca vergonha...
- Dizem ainda que há-se ser uma bela mulher... pelos vultos que trespassam as cortinas coçadas.

Mais duas vizinhas se juntam ao mal dizer, atirando exagerados comentários sobre a mulher misteriosa. E outras duas formaram seis. E das seis expandiu-se como um rastilho que rebenta ao fundo com estrondo. Deste estrondo já todos os desocupados ocupavam-se agora em descobrir quem seria tão misteriosa companhia do jovem viúvo.

- Diz lá quem... que nos matas de curiosidade...
- Não posso dizer... não posso.

Na sociedade recreativa já os mais velhos faziam apostas nas cartas com o nome e outros devaneio menos próprios. Os mais novos mandavam piropos aprendidos em casa e as mulheres de avental juntavam-se à porta da mercearia já com inveja da nova que viria.
O padre ao domingo pregava sermões de bons costumes e dos anos de luto que se deve carregar. Três insistia o padre, com os três dedos bem esticados para cima e os olhos posto no Teodoro. O padre encarava-o, todos o encaravam.
Na confissão voltava o padre a insistir:

- Diz-me Teodoro quem é essa mulher que te visita à noite?
- Não posso dizer senhor padre... não posso.

E foram estas as especulações que circundaram em todo o bairro, durante dias, semanas e meses. Sem ninguém esquecer...

Uma noite a sirene do carro de bombeiros tocou e voltou a tocar, significando fogo. Havia um incêndio no bairro. Na agitação todos saíram de casa para IR VER. Uns em trajes menores outros ainda semi-nus, em magote desceram a rua principal do bairro, parando junto à casa que ardia. A terceira casa do bairro.

O fogo foi extinto, devorando por completo a casa e todo o seu interior... momentos depois o bombeiro que entrou e saiu com José Teodoro em braços...

E uma grande exclamação percorreu todos os presente. Alguns gritaram outros ficaram estáticos, algumas mulheres desmaiaram e crianças choraram...

José Teodoro vinha já sem vida. Trazia ja meia ardida uma peruca loira e vestido as roupas da defunta...

Friday, March 24, 2006

Eternamente assim...



Aquilo é que era tempo... um tempo que passou tão rápido que agora os meus dias são passados a olhar lá para fora sentada com um corpo velho e gasto que já não me obedece, numa cadeira junto a uma janela onde a paisagem apenas muda com as estações do ano. Os carros que passam e as pessoas que acenam são sempre as mesmas, a vida lá fora não pára e minha cá dentro não avança. A que tive acabou numa rotina que se reparte entre refeições pontuais e medicação regrada, num caminho separado em dois passos entre a minha cadeira articulada e a minha cama.

Olho a cara das três gerações que eu própria gerei com o amor de uma vida inteira, olham-me com compaixão e sorriem-me como se estivesse louca, só porque deixei de falar. Por vezes desejo que não apareçam mas depois anseio constantemente pelas suas visitas. É a força do sangue. Ou então já é o cansaço e o “destreinamento” de ter que pensar no que é correcto.

Já me conformei que o corpo é mesmo assim... não consegue acompanhar o espírito. E o espírito por sua vez vai-se descolando.
Olho os meu pés deformados. Pés que outrora brilhavam numas sandálias de veludo azul que o meu marido me comprou numa avenida francesa, vestia uma a saia xadrez a condizer e colocava um grande chapéu nos meus enormes caracóis, que hoje estão reduzidos a linhas brancas... e ambos passeávamos de braço dado. Mas apesar de ver o meu corpo a deformar-se e encolher, observo o meu rosto no reflexo do espelho e continuo a ver-me como sempre fui... elevo as mãos com os dedos disformes e afasto um lindo caracol que sempre insistiu em cair-me sobre os olhos... sorriu e uma fileira de dentes confirmam que serei, apesar de os outros não conseguirem enxergar, eternamente assim...

A minha saúde está presa a lindas recordações que trago ao longo destes noventa e oito anos. Aqueles que não aguentaram tanto tempo visitam-me à noite... e juntos viajamos para trás e vivemos as emoções dos dias mais felizes da minha vida.

Como é habitual no verão sento-me na grande cadeira de baloiço que está colocada no alpendre da grande casa com vista para a barragem. Uma aragem vinda de sul revolta as arvore que circundam toda a herdade e na relva fresca as três crianças brincam tranquilas com os cães acabados de nascer. Ao longe o sol tardio torna toda aquela paisagem em cores inexplicáveis... as minhas cores e os meus cheiros de menina.
Estico o braço e de uma outra cadeira de baloiço muito juntinha aquela onde eu estou sentada, uma mão grande e familiar entrelaça-se com a minha...

Tuesday, March 21, 2006

Estátuas quentes!!

-Gostas do meu vestido?
- Gosto, essa cor condiz com os teus olhos. Cor de rosa. É feito de quê?
- De lã, caxemira e renda. Fui eu quem o fez... cozi com cabelos de várias cores. É um feitiço que me ensinaram.
- Feitiço? Para que precisas de um feitiço?
- A muitos anos ainda em pequena, uma velha muito velha leu-me nos olhos, que um dia encontraria alguém que iria olhar para mim para lá de tamanha feiura. E que seria num lindo baile...
- E onde é esse baile?! o mensageiro não apregoou baile algum...
Mas continuou a cantarolar... como se a irmã não existisse sequer...
- Vou colocar o cabelo no alto nuca, disfarçará decerto a esta minha feiura, colocarei pólen de flor "marron" na pele para parecer mais rosada e nos lábios banha com corante vermelho. Apertarei o vestido ate encolher gorduras.
- Sim (proferiu pacientemente) realmente, realça-te as curvas. Estás linda...

Aprontou-se apressadamente... a irmã pensou tratar-se de mais um devaneio. Pois desde pequena que era mole de inteligência. Alias não seria a primeira vez que ela se iludia em bailes e festivais para os quais só ela era convidada. Dizia o senhor doutor que também era veterinário, num dos últimos devaneio do qual não foi fácil trazê-la de volta, que se tratava de dores de solteira... que se curava com sangramento.

Vivia num não conseguir aprender... vivia dentro de um mundo só seu que tinha um enorme jardim... e se transformava naquilo que desejava. Desta vez passeou por dentro de arcos abobados, avenidas herbáceas e parou de frente para um corredor de calçada ladeada de sebes muito bem aparadas. Algumas estavam milimetricamente alinhadas de quatro em quatro e esculpidas em animais fantásticos.

Ao fundo desse mesmo corredor uma porta com janela... correu imediatamente antes que fosse proibido e em segundos já estava de pé junto à janela. Na humidade interior de respirações, dos vidros não conseguiu ver nada... limpou com a ponta do vestido mas era de dentro... voltou a espreitar, e sem querer com um simples toque de nariz abriu-se...

Estava a decorrer um festival de musica e cores que rodopiavam num salão luxuosamente ornamentado. Cheirava a beleza interior, verdade e sabedoria. Estranhamente estava cheio de pessoas. Pessoas bem vestidas e a rigor. Vestidas à época e a muitas outras épocas anteriores. Mas o mais interessante é que estavam todas paradas, como se de estátuas se tratassem. Estáticas em posições de segundo antes... como se algo ou alguém tivesse entrado de repente e as tivesse paralisado. Tinha pensamentos fracos para “descorrer” o que se passava. Para ela era um baile onde animadamente se confraternizava independente do indumentária... passou por entre todas, tocou-lhe e pareceu sentir. Dançou com este e aquele numa dança onde só ela se movimentava.

Ao fundo um rapaz parado em posição de convite de dança.
Encaixou as suas largas ancas nos braços estáticos do rapaz e rodopiou... apaixonou-se... pelo rapaz que não se mexia...

Por fim lutou com o cansaço... caiu na exaustão. Aconchegou-se nos braços do rapaz que não se mexia e adormeceu... estremunhou por várias vezes e pareceu-lhe ver as pessoas estátuas do baile a movimentarem-se e a rir. O rapaz sempre ao seu lado agora com os braços mornos acariciava-lhe os seus cabelos cor de laranja. Numa sonolência voltava sempre a cair no mesmo sono profundo... e repetidamente via as estátuas em posições diferentes cada vez que abria os olhos...

Friday, March 17, 2006

O dia que voltou ao inicio!


Acomodei-me de tal maneiras as minhas sensações que andei entregue apenas a um deambular... Estive semi-transparente e como se de um camaleão tivesse genes, confundi-me nas cores e nas formas de tal maneira que me esqueçi de voltar à configuração inicial.

Confiada a mim própria, sentei-me numa esplanada quase vazia. Sento-me na mesa de sempre para me dar a entender de uma vez por todas que tenho raízes e costumes... os outros que por mim passam entregues as suas vidas circulam em câmara rápida como se o mundo fosse acabar... lentamente recosto-me na cadeira e deixo todo o meu eu absorver os sol morno...

Num palco improvisado do bar de madeira uma rapaz acaba de tocar uma melodia qualquer... tocava melancolicamente uma viola. Na sua expressão o sentimento. Em espaço aberto novas notas misturam-se com o murmurinho do dia a dia, fazendo no entanto uma melodia deliciosa.

Em cada corda que toca o som tranquilizador das notas penetravam pelos os meus ouvidos em busca da minha substancia, como se de um elixir se tratasse. Olhei o céu e deixei que devagarinho o dia voltasse ao inicio...

Tuesday, March 14, 2006

14.03.06


Por entre os postigos da janela do quarto, a ainda escassa claridade de um novo dia tirou-me o resto das horas que tinha para dormir. Em voltas e mais voltas por entre os lençóis um braço fantástico que me destapa e uma voz chamativa vinda na brisa, empurram-me para mais um amanhecer. Não era a primeira vez, nem seria a ultima que isto me acontecia conscientemente...levantar-me antes do sol.

Sentei-me em cima da mota das quatro rodas... desta vez ia sem destino. Levei apenas comigo o meu silêncio e deixei-me resvalar numa enorme vontade de apenas querer estar e andar por ai. Na loucura do vento que aumentava com a velocidade, procurei a saída de dentro de um jogo perigosamente rotineiro e aproveitei os seus uivos por entre os cabelos, para trautear pequenas melodias.

Com uma sede de querer enxergar tudo, rodopio a cabeça em carrossel de marcha lenta e calmamente vou alimentado a retina com cada imagem que contemplo, fechando os olhos ao som de um clic inventado, captada por uma objectiva que não existe.

O nevoeiro, que adivinha mais um dia de calor, vai-se dissipando em contagem crescente, deixando vislumbrar à medida que o trespasso as magnificas cores roubadas aos mistérios da noite. E com uma imaginação que salto ao mínimo impulso, invento como é a essência do quê ou quem tem intervenção no desenvolvimento em um simples acto... tão sublime.

Sítios rotineiros que simplesmente se tornam habituais a minha passagem, convertidos em locais encantados e arrumados na memoria de um dia, que a seguir se disfarça de igual a todos os outros, deixando-me num saboroso silêncio...

O que senti dentro de mim jamais conseguirei descrever ou até compreender para o transformar em palavras... apenas no meio de tantos sentidos encontrei uma enorme vontade de o partilhar...
Aqui...

(5h00-7h)

Thursday, March 09, 2006

A senhora do restaurante...

Sento-me sempre confortavelmente na mesma mesa do canto para almoçar. Desde o dia dos sapatos de salto alto que o Sr. Josué ficou mais simpático e nunca poupa uma piada sobre assunto. Mas para mim bem melhor, porque assim tenho sempre a mesma mesa reservada...

Geralmente engulo o almoço demoradamente, em amena conversa com duas boas companhias. Mas hoje não foi nada disso que me aconteceu... fui almoçar sozinha... e como é normal para quem se senta sozinho numa mesa de quatro lugares, tem que partilhar a refeição com quem não conhece. O que maior parte das vezes é proveitoso no sentido das coisas que se aprende em conversas ocasionais com pessoas diferentes. E sinceramente até aprecio bastante.

Via-a chegar... aliás todos os que estavam no restaurante viram-na chegar... Vestia um enorme casaco de pelo de raposa (penso eu). A cor da pele era difícil de adivinhar devido às várias camadas de maquilhagem. O cabelo amarelado com umas madeixas roxas completamente armado e enfeitado com brincos e colares ofuscantes. Sentou-se ao meu lado. Olhou para o meu prato e encolheu a cara repugnada... (até ali não fazia ideia que uma simples sopa era assim tão repugnante.)

Pediu-o o que tinha que pedir, e como já estava a demorar muito pôs conversa comigo. Encarei-a e imaginei-a nua com cara de raposa. Não reprimi um sorriso. Começou imediatamente por me contar de onde era, descrevendo ao pormenor o todos os seus luxuosos bens materiais. Revelando ainda que o marido era dono de uma empresa qualquer.
Retirou da mala um cartão e esticou-me a mão dizendo que se precisasse de alguma coisa era só telefonar para ele. (Pensei que no mínimo lhe telefonaria para dar os sentimentos.)

Numa alegria eufórica, e com a voz num tom bem alto não fosse alguém não conseguir ouvir, falou-me das festas, das compras que fez e das que iria fazer naquele dia. Falou das viagens ao Brasil, e àquela cidade que não se lembrava do nome, onde foi ver uma exposição de quadros horríveis com bois. (Pobre Picasso, que barbaridade).

Falou-me ainda dos concerto que costumava frequentar. E foi então que o restaurante desmoronou-se em cima de mim quando ela começou a recitar Tony Carreira. “– A menina não conhece!?” Exclamou espantada... (quase pensei que era sacrilégio andar sem um CD do dito no carro).

Voltou a olhar para a minha cara de incrédula. Depois calou-se. Perguntou-me de onde era.... quando eu ia abrir a boca para lhe dizer que não era de lado nenhum porque não tinha intenções de iniciar uma nova conversa ... voltou a olhar... olhei-a bem no fundo dos olhos, estava vazia... e senti uma enorme tristeza. Mas não sei se por ela se por mim...

H. e C. voltem depressa... estão perdoados...
Kiau! ainda bem que não estavas comigo. Se não tinha sido uma macacada pegada de tanto rir...

Tuesday, March 07, 2006

"nonna..."

Despertou com uma dor alucinante nos braços e nas pernas. Nos lençóis brancos postos de lavado na noite anterior, rastos de sangue por todo o lado.

Não se conseguia mexer.

De esguelha olhou para um dos pulsos e viu atarraxado na carne um pequeno parafuso de onde suspendia uma corda de nylon muito fina, quase transparente. Revirou os olhos para o lado oposto e a mesma imagem foi revelada. Tentou levantar a cabeça e seguir com o olhar de onde vinham as cordas....

Passavam esticadas para lá do tecto do quarto.

Prostrou-se naquela posição. Ao fim de horas sem conta, sentiu um esticar de corda num tornozelo. Depois no outro, e a seguir nos pulsos. Viu-se a sair do quarto sem coordenação de movimentos. Não sabia para onde ia, ou para onde a levavam... a vontade própria fora-lhe roubada e consumida por um não querer. Entregou-se por completo aquele arrastar de existência, guiada por quatro cordas suspensas de um tecto. E apenas uma vez quando num forte suspiro tombou a cabeça para trás e observou nas extremidades qualquer coisa que deixava passar a luz...

Não conseguiu distinguir de forma clara e nítida o que era.

Com o tempo as feridas na carne causadas pelos parafusos foram fechando. E o organismo em vez de expelir aqueles corpos estranhos, recebeu-os como se de um apêndice necessário se tratasse. Tornaram-se parte integrante do seu próprio corpo...

Causavam dor transformada em desconfiança cega, a qualquer roçar...

Certo dia o vento trouxe consigo nos bolsos o cheiro a mar e atirou-lhe à cara pontinhos de sal. Soprou-lhe violentamente palavras ao ouvido e trespassou-a com um fino objecto cortantes desinfectado com memórias. Lucidamente suspirou.

Em surdina disse entre os lábios que gostava de lá voltar...

Sem nunca ceder a um único afrouxar de corda, aquilo que na extremidade fazia de si uma autêntica boneca de madeira oca, guiou-a benevolentemente em movimentos rápidos por um caminho que tão bem conhecia... mas dentro de si ecoava o grito de que seria apenas um momento...

depois regressaria aquela subsistência.

Naquele sitio... o que era antes o seu sitio e o que estava destinado a ser seu para sempre, sentou-se inerte. Ressentiu as cordas de nylon a afrouxarem os esticões. Sentiu beijos de saudade nos salpicos salgados e observou as línguas do oceano lamberem as rochas, por debaixo dos seus pés. Em laivos de memoria foi-se recordando... mas não conseguia chorar...

aliás nunca conseguiu...

Sentada naquele sítio. Atestou-se. Num movimento bruto vindo de dentro de si atirou-se para o precipício... aquilo que na extremidade fazia de si uma autêntica boneca de madeira oca, tentou em vão esticar as cordas para a suspender naquele mergulho. Mas as cordas não aguentaram o peso morto que caia a pique. Os parafusos saltaram arrancados pela violência do esticão, lacerando as feridas fechadas...

...despenhou-se no precipício... ao cair nas águas salgadas todo o seu corpo lhe ardeu... sentia-se a curar...

Thursday, March 02, 2006

Encantada!

Já não se recorda porque se chama assim. Um dia alguém lhe explicou porque se chamava floresta encantada... mas deixou a história entranhar-se de tal maneira nas memorias que já não consegue distinguir a realidade da fantasia.
Para si era assim. Era encantada por ser habitada por seres que o seduziam. Seres que habitavam nas arvores, folhas e ramos. Leituras inventadas no musgo que o faziam perder-se em gargalhadas, e caminhos de terra percorridos em loucas corridas com aqueles que por lá passavam. Refeições tomadas e partilhadas em manjares nocturnos que duravam horas entre taças de vinho brindadas e folias até ao nascer do sol.

Um dia tomaram-no por louco. Apanharam-no desprevenido. E num queixume constante dos que não lhe queriam bem, encarceraram-no num espaço onde por tempo indeterminado iria permanecer... dentro de um quarto branco, com uma cama branca.

***

...Sentada, na sua secretária lia e relia os papeis que lhe tinham sido entregues naquela tarde. Leu o historial daquele homem. Os mais sábios já tinham ditado a sua sentença, a si cabia-lhe apenas chamá-lo à realidade... mas que realidade... a sua própria?! Retirou da estante detrás de si um manual...

Percorreu os extensos corredores brancos. Entre sobe e desce de escadas, parou em frente de uma porta branca com o numero que trazia nos apontamentos... a porta abre-se. Num canto do quarto imaculadamente branco estava ele sentado. De dentro da sala imanava um odor intenso a vegetação... cheirava estranhamente a floresta. Entrou... num monologo de palavras bem ditas de um vocabulário muito bem estudado dirigiu-se a ele... não recebeu uma resposta ou um único movimento.

***

... o sol estava a pôr-se, o alaranjando começava a dissolver-se com os verdes escalonados escurecendo-os do mais claro para o mais escuro. No topo do caminho ele inspirou... correu até terreno desmoitado no meio da floresta, e no chão a toalha de folhas de eucalipto e castanheiro gigante já estava preparada... o seu lugar era o mesmo de sempre... sentou-se, pegou na sua taça de vinho e a folia começou até ao nascer do outro dia..

Wednesday, February 22, 2006

O tempo...


Sento-me de perna cruzada. Reparo nos movimentos constantes, que inconscientemente faço com o pé. Adivinha inquietude.
O chão passa a uma velocidade estonteante e não consigo perceber se sou eu que estou em deslocação ou não.

Anseio pelo daqui a bocado e pelo mais logo. Anseio por amanhã e pelo depois de amanhã. Corro ao lado de um tempo que não descansa, Tentando fintá-lo para o ultrapassar destemida... mas não consigo...

porque ao fim de tanto tempo... é que me apercebi que quatro dias podem vir a ser uma eternidade...

Monday, February 20, 2006

amicitate...


- Estás a dormir?
- Não consigo... estou com medo...
- Estás com medo de quê? (Indagou irritado)
- Não ouves o vento a chuva... e escuta... granizo... isto não vai aguentar...
- Pelos vistos este não se incomoda! (gracejou nervosamente)
- Pois... mas poderia cair o mundo que ele nunca acordaria...
- Descansa que com o peso de nós os três isto não voa de certeza...
- E com o peso de dois... aqueles que estão ali ao lado... será que aguenta?! (retribuiu exaltada)...
Olharam aterrorizados um para o outro...
- Alguém!!!
Gritou. Não obteve resposta.
- Alguém!!!!
Gritou. Voltou a não obter resposta.
- Que se passará. Não consigo ouvir nada... vou sair...
- Espera... se ambos sairmos daqui, de certo isto voará tudo, e levará consigo o que dorme... sozinha não resistes...
- E então os outros...

O Barulho da tempestade de encontro à lona, era ensurdecedor. Fustigada por ventos vindos em todas as direcções, acompanhado por rajadas de um granizo voraz, não aguentaria nem mais uma lufada.

Ela estava seca de tanta angustia. Só poderia contar com a destreza daquele que neste momento tinha os olhos injectados de sangue, perante tanta impotência. Perante um inimigo que idolatrava. Perante quatro vidas mais uma... a sua que daria pelos os outros...

- Temos que sair daqui os três ao mesmo tempo! (disse por fim)

Acordou violentamente o do sono pesado... estremunhado ouviu com atenção o que os dois lhe relatavam. Preparam-se para levar apenas o essencial... a roupa do corpo e os impermeáveis... e como que numa corrida cronometrada, abriram os fechos e saltaram os três ao mesmo tempo. Rebolaram paralelamente pela chão de terra preta. Mole...

Rapidamente uma língua de vento invadiu o interior da lona. Arrancadas como palitos de madeira frágil as estacas, que saltaram uma a uma. E num fechar de olhos, desapareceu velozmente no ar, levando consigo tudo o que estava no seu interior.

Os outros dois do lado, lutavam insolentemente com o vento. Não restou nada. Arrastados pelos demais resmungaram. Se deixassem teriam voado também...

Com a roupa ensopada, e os impermeáveis que se tornaram inúteis, deixaram-se ficar até onde tinha conseguido correr pelo caminho. E pediram protecção às acácias... Olhavam na mesma direcção estranhamente impávidos... maravilhados...

Wednesday, February 15, 2006

Simplesmente sublime!!


Ontem à noite quando cheguei não havia luz. Apenas a luz da grande lua ilustrada nas nuvens negras, que deambulavam no céu, ao sabor do um vento estranhamente morno. Penso que avisava chuva.

Guiei por uma estrada iluminada de candeeiros de rua e virei à esquerda para uma dimensão completamente diferente. Toda a aldeia se encontrava às escuras. Os aldeões que ainda não tinham terminado as tarefas agrícolas diárias, corriam apressados com o gado de um lado para o outro, e àquela hora a pequena drogaria que vende tudo já estava fechada.
Parei o carro e sentei-me num dos bancos do Largo do Coreto. Senti-me realmente feliz por ter o privilegio de poder estar ali... e naquele momento não precisar de mais nada... apenas estar ali... a observar e a ouvir...

...uma musica realmente bela. Aquela que consigo ouvir no silêncio da escuridão, porque fico mais atenta... Ao barulho dos cascos dos animais, que não vejo, a rasparem na calçada antiga e dos seus respectivos badalos. Ao tic tac do relógio da torre da igreja que ameaça bater a repique a qualquer momento as sete horas. Às folhas dos grandes Plátanos que roçam umas nas outras. Aos mochos que piam, e aos vários espanta espírito espalhados pelas casas que se agitam com a passagem do vento, criando entoações no final de cada refrão.

Cheira a petróleo... pendurados nos toscos alpendres das casa da aldeia, vários candeeiros acesos iluminam o pouco espaço exterior. Mas o que interessa é a sua presença e efeito... De todas as janelas dessas mesmas casas exalava a luz das velas acesas. Um luz laranja vinda de uma chama que desloca delicadamente as sombras de coisas inanimadas, e de dentro o cheiro de mais uma refeição nocturna que se mistura com outros odores... simplesmente sublime...

Estaciono melhor o carro sem acender os faróis, jamais quereria quebrar aquela magia, e dirigi-me a pé para casa. Embrenho-me na escuridão e vou ouvindo todos os sons ao compasso da minha caminhada.
No espaço que vou percorrendo, cruzo-me com um cão bem grande e familiar que apenas sinto quando já me está a lamber as mãos... e felizes rumamos a casa...