Uma papel que me é dado. Olho para os mil rascunhos que me são passados para as mãos e procuro o meu nome. Apenas uma única linha se destina aquilo que tenho que dizer. Subir ao palco onde já está um carro dentro de uma paisagem muito bem pintada e definida em jardim com tons de fim de tarde. Sentados num banco azul um casal namorisca. Tinha que ensaiar uma expressão triste e magoada quando nesta altura só me apetece sorrir. Sinto o desespero no estômago de não ter jeito para actuar defronte para uma plateia lotada –
posso ficar quieta no meu canto, se faz favor – e mesmo encorajada pelo resto do elenco, do qual fazem parte três anões, aos pulos no ensaio geral, não consegui que a vergonha de enfrentar o publico desvanecesse.
Fico com a sensação de que me olham como quem vai falhar, como se a responsabilidade e a importância de uma insignificante frase, fosse o ponto de partida para tudo ir para a frente e a peça encarrilar. Estou sentada num cadeirão de veludo vermelho, a olhar o ensaio e sempre com o sentimento de que vou ter que fazer um esforço enorme para dizer simplesmente – “
O que se passa aqui!!” – mentalmente ensaio a pequena frase e os gestos de quem está a sofrer de morte. O medo que a dislexia me atraiçoe deixando cair por terra as expectativas do realizador, de todos os que ali pertencem, é petrificante. Sinto a bexiga atormentada.
Cá fora encontro-me numa floresta enorme, cheia de verde e gigantes arvores plantadas em várias descidas feitas de terra –
juro – corro em busca de uma casa de banho e quando finalmente a encontro é um género de
bunker com letras em néon desenhando a palavra “WC”. Numa fase em que já não aguento mais entro e reparo que não existe um único sanitário sequer. Olho em redor e apenas muitos espelhos enfeitam as paredes do pequeno espaço e uma senhora muito gorda, sentada num alto banco e com um lenço de cornucópias amarelas apertado na cabeça, vende bocadinhos de papel higiénico. Tento ser simpática e não fazer um ar de estranha, mas tenho de sair dali a correr -
No chão é que não! – porque não aguento mais. Subo para cima do telhado escondido no meio de folhas coloridas e enquanto tento aliviar a super bexiga, lá em baixo vejo um desfile a vir em minha direcção.
Agora a rapidez tem que ser brutal e escondo-me já com a curiosidade de ver o que é. Entretanto numa estrada paralela passa num veiculo motorizado a alta velocidade, uma pessoa – que não vejo há bastante tempo - que me faz adeus freneticamente enquanto os seus enormes cabelos esvoaçantes rendem-se ao vento – grande sorriso - Não é um desfile. É uma procissão. Pessoas vestidas de igual – policias ou militares, sem boinas e armas – passam com ares tristes e pesados. Escondida observo e absorvo. Os de trás – três – carregam em cada canto uma caixa vazia meio tombada, falta o quarto elemento. Parece um velório.
Acordei com aplausos e cheiro a café!