Wednesday, December 19, 2007

Don´t look back


Descobriu daquilo que era feito, como num estalar de dedos, no preciso momento em que o tempo se roçou na irrealidade de dias comuns. Num simples esperar de cruzamento. Sabe que é preciso estar atento porque nem sempre se consegue ser sugando na contagem decrescente em que se pode largar. Há que saber largar e regressar porque existe o perigo de não encontrar o regresso... de não se querer regressar.

A voz que lhe sopra palavras encantadas enquanto bate num material qualquer, chama-o de tal maneira que a inquietude daquilo que o tormenta torna-o ainda mais desesperado. Em palmas de mãos enrugadas, entranhadas no liquido espesso, espera o derradeiro mergulho. Despe-se. E não demora muito a sentir. O silêncio.

Agora, àquilo que outros fogem a ele e só a ele atrai. Um autêntico caleidoscópio liquido, agora cristalizado em mil cores, mas que se derrete surpreendentemente com o frio e com a chuva batida, no vento de uma intensidade forte contra o mundo... - adoro as tempestades! – Sussurrou-me, antes mesmo de gritar fortemente por mim!!!

"So I love like they do under the sea..."

Wednesday, December 05, 2007

(Sweet) Song for Dad...


Naquela noite, sentada no sofá castanho que há tanto tempo conheço, enrosquei-me nas tuas pernas. Foi um regresso pouco convincente e cheio de truques nervosos, mas o importante foi estarmos ali, depois do que tinha acabo de sentir. Vi nos teus olhos a emoção de me veres finalmente passados tantos anos, no mesmo sítio a que chamámos mil coisas engraçadas e nos aconchegávamos, como nas cabanas feitas no terraço nas noites de Verão, debaixo de estrelas e constelações.

Fazias longas pausas com as pálpebras como quem tenta focar uma fotografia para me recordares mais tarde num álbum imaginário onde se perde a conta das páginas. E como sempre fazemos, falámos de uma cassete áudio antiga. Não dizes, porque nós nunca dizemos ou não conseguimos dizer, que sentias a minha falta.

De olhos perdido numa louca ilusão ouvia-te embriagada nas tuas palavras, que surgiam como bolas de algodão doce, de dentro de ti. Palavras que tentei absorver uma a uma, como mil conselhos sábios, que queria conseguir guardar dentro de um frasquinho que só abre naquele preciso momento, mas nunca consigo fazê-lo, tenho sempre que lá ir primeiro. Sorria ao ver-te e ao não querer acreditar que eras tu quem falava em metáforas sopradas, que julgas que não entendo, pequenos segredos profundos, guardados e escondidos dentro de ti. - Como consegues guardar tanto dentro de ti? - quando para mim ainda respiras uma intensidade bem superior a minha. Já não sou pequena. Eu percebi.

Contaste-me coisa incríveis e sinto-me a apaixonar-me e reapaixonar-me mil vezes seguidas. Um paixão tranquila e de sangue. Cúmplice. O coração não aguenta a sede da tua filosofia, da tua experiência e da tua sabedoria. Do teu estado de alma e do teu aceitar daquilo que é certo. És o sábio dos sonhos. Tens a palavra chave para tudo.

Chamam-te feiticeiro e temem-te por isso, eu prefiro o que tu me contas baixinho quando não está mais ninguém, porque não gostamos de perguntas - Afinal és um sonhador - Somos uns sonhadores. Mas tu és um poderoso sonhador... que um dia distribuiu beijos quentes em camas frias!

Eu não te temo. A minha impulsividade não te teme. Simplesmente Admiramos-te.

(Dia 01)

Thursday, November 22, 2007

In the Flesh!


-É um menino – Gritou lá do fundo!
A outra fechou as pernas e olhou em faísca em direcção à porta. Num pulo seco atirou-se para o chão e desatou a correr nua, ainda de pele incandescente, no meio de palavras sujas. Percorreu o corredor estreito pintado cor de tijolo e chão transparente, de paredes cheias de espelhos construídos com imagens infinitas e grandes candeeiros de cristal, brilhantes. Não estranhou as pessoas que dançavam, vestidas com roupas fora da época e sorrisos prodigiosos. Cheios de luz. Algures um homem gritava em loucura desmedida. Felicidades desejou-lhe. Na correria tentou tocar-lhe, apenas sentiu a terceira mulher envolta em muitas musicas. A sede de tocar é sempre tão superior a ela própria que parece nascida com os sentidos trocados. Pobre diabo.

Numa corrente de ar arrepiou-se, estava próximo, pressentiu. O corredor não parava de crescer enquanto corria, não acabava. A dor, essa rasgava-lhe o peito enquanto o sangue jorrava das veias em gotas grossas. Dedos infindos entranhado na carne revoltavam-lhe as entranhas. Desfeita segredou... – Não quero o fim!

- Era um menino, senhora. Trazia três cartas na mão. Deixou-me esta!

Esticou-me o braço. Ainda tremia. Passei-lhe a mão pelo cabelo húmido e assegurei-me que se tranquilizava. Embrulhei-a numa manta quente e passei-lhe um chávena de chá escaldado! A sua figura ainda frágil olhava-me, assustada ofegava. Abri a carta. Num silencio ensurdecedor que me pareceu durar anos, li que mais uma vez estava à frente do - herói da história - História essa que se adiantou em frente aos meus olhos antes mesmo começar a acontecer!

Friday, November 16, 2007

Para mim...

Como num segredo soprado em surdina, ouvi as palavras que do único lugar seguro, são as mais verdadeiras e transparentes. Suspirei e apercebi-me que em sentido opostos percorria um caminho diferente que há já muito estava traçado para mim. Um caminho tão cheio daquela magia colorida em que sempre acreditei e que nunca deixei morrer, defendo-a até das mentes mais insanas. Dos ladrões de magia que aparecem da escuridão.

Na mente debate-se com o mais correcto e luta-se com especulações mas no sangue, vermelho quente, a vontade de sentir de viver e devorar a vida, como se não houvesse amanhã é tão superior que atenua a dor de uma explosão violenta e aconchega o turbilhão interior. Embalando-o.

Ensinaram-me em segundos a prender entre dentes os momentos e apertá-los entres dedos para nunca acabarem, porque só ai fazem sentido. Não sei recordar, por isso não me largo dentro da vontade tão forte e tão superior àquilo que alguma vez senti ou quis sentir... Abri os braços com uma força bruta. Tão Rasgada e intensa. Sem lágrimas, encarei um vicio superior de cabeça erguida e gritei, mas gritei tanto que o peito ardeu e as borboletas triplicaram.

... deixei-me ir num toque avassalador e através de palavras emprestadas de uma melodia simples percebi aquilo que a muito está escrito nas palmas das minhas mão!

Friday, November 09, 2007

...

Algures existe um sitio onde um grande guerreiro adormecido descansa. Um guerreiro gigantesco armado de espadas e punhais tão afiados que num golpe espicaça corações e esventra barrigas. Com uns braços enorme agarra mil vezes seguidas o que no seu caminho atravessa e como se não houvesse volta a dar para aquilo que acabou de fazer, frustrado berra tão alto que me rebenta os tímpanos. Depois de me ver inconsciente com uma pancada na cabeça, tem por habito beijar-me cada poro da minha pele deixando no seu lugar flores. Muitas flores, que só saem em arrepios (Nunca soube de onde vem essas flores. Um dia ouvi-o chamar-me por um nome de uma mulher que não era o meu). Saem da sua própria boca, primeiro em forma de palavras cuspidas num ternura efémera depois transformadas num perfume a que ninguém consegue resistir. Flutua-se e não se consegue regressar. Desesperado, tenta olhar a luz por entre as lágrimas que teimam em queimar a pele já enegrecida pelo tempo. Observa-me por momentos e enquanto estica os dedos na minha direcção, atravessa-os em metade de mim para sentir o que se passa fora dele próprio. Dói muito, mas ele não parece sequer importar-se. O que ele vê eu não consigo descrever, é um segredo tão secreto que como por magia ele faz com que eu o esqueça, sacudindo-me de tal maneira que quase me parte ao meio e me joga assim para um canto, quebrada. Grunhe incessantemente quando me vê desfalecida.

Por isso, como que encantada costumo andar de bicos de pés para nunca o acordar, mas não resisto em olhar para baixo e olhá-lo enquanto dorme, não o deixo sequer sentir o meu cheiro, porque sei que dentro de mim implode de tal maneira que em jeito de remoinho transforma-me em tempestades e rios velozes.

Há uns dias atrás sem dar por isso acordei-o! Assim que abriu os olhos pegou em mim e previsivelmente colocou-me inconsciente... neste momento continua a beijar-me cada poro da pele e a soprar-me aos ouvidos palavras que ainda não consigo entender.

Tuesday, October 23, 2007

"mirando el otro lado..."

Fecho os olhos e regresso aquela praia. Uma praia perdida no fim de tudo e no princípio do mundo. Num começo muito verde e num terminar ainda desconhecido, mil verdes nunca antes vistos. Ainda não acabou e já desejo não regressar. Ainda lá estou e já não quero ir. Recordo os dias anteriores como se já muito tempo nos separasse quando, estão ali mesmo ao esticar de um braço. Ao rasgar de um sorriso.

Fecho os olhos e regresso ao momento da partida. À angústia de uma chuva, que pela primeira vez rezo que cesse apenas por uma hora. Vencida enfrento-a zangada. Volto ao encher de peito que rebenta tal é a liberdade mesmo no limite do tempo que está prestes a chegar. Fervo os músculos entorpecidos e convenço-me que vou romper a meta nesse mesmo dia. Doidos!!

Fecho os olhos e regresso a um rolamento em média velocidade e penso de cotovelos rasgados apoiados nos joelhos, que afinal fazemos mesmo parte daquilo que queremos e das paixões que não podemos evitar, não podemos reprimir, porque quanto mais se tem mais se quer, quanto mais se sente mais se quer sentir e quando conseguimos irromper num sentimento reprimido, o resultado é um olhar, um adivinhar que se é feliz dentro de uma retina sedenta de muito mais. Energia concentrada a flor da pele carregada de uma coisa que não compreendo !!!

Sítios cheios de gente, sorrisos desdentados, hálitos insanos. Penteados insólitos, vestimentas mal dispostas. Simpatias oferecidas em pratos de sopa quente. Caldos de peixe "bem ralos" que aquecem o coração. Abrigos improvisados cobrem de uma tempestade estrondosa que atinge mesmo a meio e um obrigada às pessoas que nos deixaram partir em conversas por metade. Sítios despejados. Vilas fantasmas e sem alma. Passear alegre num vazio muito bem construído em pedra mármore e finalmente o conseguir ser proprietária de um único mundo. Aquele!!!


Agora aqui, de olhos bem abertos recordo apenas por palavras escritas aquilo que não consigo reportar em voz rouca. E não tenho nada mais a fazer senão sorrir dentro da minha própria vida que tenho consciência de continuar sempre de um lado para o outro, atravessando a diferença de não ser igual.

Devagar dispo-me de Outubro, sacudo as folhas caducas do cabelo e espero sentada “mirando el otro lado”.



Se por Terras do Oeste viajares, mais precisamente por uma terra chamada Lourinhã, e um cão de pêlo amarelo encontrares, perguntar-lhe quem é a “Princesa mais Linda do Parque” e se com os “casquitos” das unhas, no chão de terra poeirenta escrever “Miguel” e uns olhinhos te jogar, manda-lhe por favor cumprimentos meus!! :)))

Tuesday, September 25, 2007

alucina"ssss"ão!


Foi de pés gelados enfiados numas socas velhas que esperei duas horas pelo comboio. Coração pequeno e peito apertado numa camisola justa enfrentava o frio transbordado de época, atormentador de saias compridas. Pensei que pela hora que chegasse aos joelhos já eu tinha padecido ali mesmo naquele chão. Era a tal viajem. Eu e meia dúzia de coisas, que acabaram por se tornar ainda mais inúteis quando não foram necessárias um único dia sequer, numa Gare ainda de madrugada.

A porta de ferro abriu-se num cheiro tão característico de Verão. Estava cheio o comboio cinzento. Optei por ir em pé. Distrai-me num percurso de horas infinitas que se fez apenas no segundo em que esbugalhei os olhos numa revista velha de gente nua. Ao mesmo tempo percorro os olhos pelas carruagens lotadas oiço os murmúrios de mil conversas misturadas, mil rostos estranhos de olhares cheios de tudo. Risos de crianças e o cacarejar de uma Galinha Careca. Franzi o sobrolho.

Eram precisamente treze e trinta, quando o comboio parou no destino. Peguei na mochila e fui para a porta. A Galinha Careca esticou a asa e pediu-me que a ajudasse a descer as magras escadas. No momento em que pensei que só faltava o Senhor Porco e a Bicicleta ouvi um grito – COM LICENÇA! - Fui bafejada por um vento quente de queimar. Um vento que carboniza a roupa e deixa-nos a flutuar numa onda imensa. Pele acesa e incandescente. Era uma contrariedade muito real perante o corpo que ainda não tinha descongelado das ultimas horas de espera e os seis quilómetros que me separavam da vila mais próxima.

A Galinha Careca acendeu um cigarro e despediu-se numa palmada cacarejando – belo rabo, sim senhou!! – desapareceu por entre o fumo branco. Pregada num sorriso de loucura, retribui num berro – Estou louca, profundamente louca! – Apenas ficou o eco e o diabólico calor!!!

Na porta mágica que foi atravessada sem dor deixando deste lado tudo adormecido, aquilo que não estagnou, uma mistura de bocadinhos de uma pessoa, gostos, sentidos, cores e sons atravessou os seis quilómetros de alcatrão. Pisar de brasas congeladas na memória a cada fracção de segundo – Não se pode perder uma pitada, minha cara!! – Segredou a Galinha Careca em cima da minha cabeça. Desapareceu. “Bolas, como fuma esta cabra!”, pensei sem parar de tossir.

Em memoráveis momentos vividos lentamente como quem descai devagar, sentindo cada passo, recordo os mais simples, como um único respirar sentada na boleia agrícola bem perto de uma ovelha que berra, desalmadamente, aos meus ouvidos. Perguntei baixinho – Não és tu galinha, pois não?! – O pobre homem olhou para mim, abanou a cabeça.

No destino, dividi tudo por línguas estrangeiras e amigos alienados de outros países. Alemão e Sueco traduzido num Inglês trôpego e grandes olhares nunca antes visto, perdidos naquilo que se faz melhor. Viver ao contrario daquilo que é permitido e pisar devagar o risco bem de frente para um palco iluminado de mil tintas fluorescentes enquanto se canto um fado. O homem que desgraçadamente esfrega a grande barriga e coça a virilha bem de frente para o público numa madruga de foguetes ruidosos, é aplaudido ferverosamente. A musica é triste mas as gargalhadas descontroladas sem fim, num perigo iminente de se desmaiar, caem na atenção da Galinha Careca. Diz-se enamorada. Ela e o homem dançam, num espectáculo macabro.

Finalmente no descanso de um copo de vinho tinto, sentados à beira de uma piscina vermelha, conversas amenas de tardes quentes. Conversas que se misturam pela noite nua deitada sobre a relva. No breu, tremores alcoólicos vindos de conversas fantasmagóricas. – Estou com pele de galinha!! – ouvi dizer. Rua abaixo, porque é a minha vez, arrepiada dos pés aos cabelos, entro com a alvorada numa loja. Roço-me no minúsculo corredor de uma ainda mais minúscula padaria - Cheira a pão quente! - diz a embriagues envolta em risinhos desgovernados. E sabe tão bem, mas tão bem, que não consigo explicar... Pedi no meio de centenas de perdigotos – três pães quentes!! – Eternamente. Ou até ser novamente a minha vez.

O regresso, esse custa sempre. Sentada no banco da Gare vazia espero pelo comboio que volta do avesso. O tempo, esse passa estupidamente rápido. Penso nas sensações e transpiro naquele calor. É tão insuportável que o organismo não tem tempo de se arrefecer. Na onda do Bafo vejo alguém a aproximar-se. Várias pessoas pequeninas guinchavam – Quando voltas, quando voltas?!!!” – perguntaram. Resisti para ceder ao calor que ardia na vista...
- Outubro... - fiz silêncio - Outubro é um bom mês para regressar!! -

Entrei no comboio que parou quase a seguir. Escolhi o meu lugar no comboio vazio e abri a janela. Coloquei a cabeça de fora e fiz adeus. Deixei-me ir. Senti a velocidade do comboio a aumentar. Ao longe ainda vi a Galinha Careca chegar envolta no seu fumo. Não chegara a tempo para a despedida, decidira ficar. Que inveja... Mas quem é que inveja uma Galinha e ainda por cima Careca!!!

"Sentei-me no espaço que ainda tinha o teu cheiro. Quase que conseguia ainda sentir os teus cabelos em mim. Acendi um outro cigarro, olhei na tua direcção e ainda te vi, apesar de longe, no comboio:
- Até Outubro, miúda, até Outubro. – Cacarejei baixinho..."

Tuesday, September 18, 2007

Pena Azul!

Existem dias assim, qualquer palavra pode ser demais e qualquer gesto é sempre de menos. Qualquer sentimento é sempre inferior ao querer que não acabe, porque o imprevisto é sempre o nosso melhor amigo. Sempre.
Os dias são repletos de verde claro e verde escuro, cheios de altos e baixos. Dores. Cobertas e descobertas entre caminhos achados em ruas estreitas, veredas que de certeza não estavam lá ontem e revelaram-se hoje, inesperadamente transformadas em arvores que por sua vez se transformam em pontos de regresso. Um outro dia.

A tarde já alta começa azul e cor de laranja, junta-se inesperadamente na noite vermelho fogo e explode, como sempre acontece, em mil pedacinhos. Mãos que cheguem, não existem para os apanhar. São biliões por ali espalhados em sorriso e gargalhadas, espantos e bons momentos de sensações que parecem conhecem-se eternamente. Ouve-se um trombone arrepiante, que rasga incessantemente o rotineiro silêncio e a equidade desaustina o espírito que já lá está a ver o que se passa, envolto na imaginação repleta de faunos e fadas, duendes e muitas outras entidades disfarçadas de actores. Uma peça arrepiante.

Enfeitiçados, mil seres pisam a calçada de um Paço. Está escuro e os corpos juntam-se, sente-se o calor contíguo. Olhos que deambulam à procura, mais uma vez, do inesperado e a expectativa de quatro lados. As horas passam envoltas no encantamento de uma fantástica histórica, infelizmente verídica e os aplausos adivinham o fim tão cheio de cor, magia, sons cheiros e pessoas.

Acompanha-se as noites sentados nos bancos de pedra com os pés inchados na terra suja, olha-se o castelo lá bem no cima de tudo, envolto num fumo alaranjado... fazia tempo que o tempo não permitia tal coisa. Conversas de longa data. Ninguém sabe.

Devagarinho a madrugada, bem alta, embala na brisa fresca...


Nas profundas florestas um pequeno duende procura a sua pena azul. Pertence ao seu chapéu verde garrafa. Ao longe avistou os dois gigantes. Na correria de se esconder de certeza que a sua pena azul voara. Uns dedos enormes quase que o abalroaram de baixo das folhas castanhas onde se escondia, estremeceu de pânico. As suas vozes quase de rebentar os tímpanos, tão perto que estavam, misturavam-se entre os risos e sorrisos. Um deles pegou em qualquer coisa. No espaço de tempo em que se atordoo por aquilo que é eternamente apaixonado não se apercebeu... tinha sido assim roubada a sua pena azul!

"Para sempre teu...Paquito"

Thursday, August 09, 2007

O casamento...

Estava tudo pronto para o grande momento que era já no dia seguinte. Com tudo minuciosamente preparado, completo e mais do que perfeito. Os convites talhados a dourado para os mil convidados, a igreja enfeitada e o vestido branco pomposo. As flores apanhadas e sepultadas e as ementas inventadas. Até o sitio para convívio fora cuidadamente escolhido.

Desceram a rampa de mãos dadas e sorriso nos lábios.

O local era mais do que perfeito. Uma adega antiga localizada por detrás de uma serra bem encaixada entre a terra e o mar. Construída por cima das pedras milenares, balançava, tornando a musica desnecessária para dançar. Embalava. Ar puro e fresco circundavam o jardim fronteiriço que tinha vista para uma pequenina quinta que existia ali desde sempre.

O que eles não sabiam é que dentro dessa quinta, pairava um pesadelo. Um pequeno animal preto e ansioso espreitava-os na sombra, já perdido de gula.

Manhã de Sábado, 09 de Junho 07

Estacionaram três carrinhas perto da adega antiga. Os cheiros das iguarias próprias destes dias, levantaram um braço e foram bater bem à porta da casota (inha) do pequeno animal preto que vivia dentro da pequena quinta.

Acordou. Esbugalhou os olhos!
...

Ouviu o sino tocar. Levantou-se estremunhada pela hora. Vestiu qualquer coisa a correr e acudiu quem já gritava lá fora. Não queria crer no que os seus olhos viam. Tinha acontecido de novo. Num corredor que a separava do portão pintado de verde, teve que percorrer um labirinto de carne crua. Um autêntico espectáculo macabro de carnificina certa. Nem queria acreditar.

Escorrendo água pela testa abaixo, um homem gordo vestido de branco vociferava palavras podres do outro lado do portão pintado de verde, ordinarices que faziam rir um outro homem careca, baixinho, igualmente vestido de branco, que estava ao seu lado. Perguntou sem modos quem ali morava.

Enquanto percorria o corredor chutava os pedaços de carne espalhados por todo o lado, tentado passar despercebida. O pecado estava cometido num crime daqueles. Apesar de arcar com as consequências, acaba sempre por lhe perdoar.
...

Saiu da casota (inha). Trincou o guizo e tirou-lho o piu. Por uma gruta que apenas ele conhece escapuliu-se dos muros da quinta. À sua frente três carrinhas estacionadas com as portas abertas. Na parte de trás o paraíso da gula. Com o um braço feito de cheiro a apertar-lhe as goelas não hesitou sequer um minuto para reflectir. Ninguém o pode culpar por viver por instintos.

Uma a uma. Aliviou o peso às carrinhas. Na boca trazia bocado de cabrito ainda por cozinhar. Sem mastigar sequer, engolia pedaço maior que a garganta. Nem um lobo devorava assim.
...

O ladrão não era dali. E ao ver as figuras afastarem-se ainda sentiu pena dos prejudicados. O que seria daquele dia que teria que ser perfeito.

...
Duas horas mais tarde!

Ao longe um pranto. Uns gritos. Um prejuízo. Um noiva lavada em lágrimas e um noivo inconsolável. Mil bocas para alimentar e três carrinhas vazias.

Agora já não podiam ser felizes para sempre.

Friday, July 20, 2007

A estrada de Santiago...

Tocou no horizonte já estava cor-de-laranja, sorridente. Desapareceu por detrás da neblina cega, ausentou-se. Os pés assentes na areia fria preparavam-se para o impacto da água tão gelada que ameaçava rachar ossos. Habituaram-se e continuaram. Olharam para trás.

Era de noite e as formas da terra tornam-se em gigantes sombras de grandes monstros devoradores. Mortais. As grutas, formadas pelas rochas lá bem ao fundo, pareciam enormes bocas abertas, horrendas numa imaginação alucinante. Lutaram contra línguas marítimas em pulos frenéticos e sentiram-se pequenos correndo de mãos dadas. Por fim exaustos caíram em gargalhadas na areia escura.

Abriram os olhos e vislumbraram as estrelas espalhadas por uma, pouco definida, estrada láctea sem fim. Encontraram o principio e seguiram para sempre.

Ao fim de duas noites perdidas em insónias emprestadas, era impossível aquilo estar acontecer. Forças para lá de humanas corriam pelos músculos e pelos sentidos. Conseguiu fintar o cansaço e envia-lo para o dia seguinte. Amanhã que voltasse. Naquele instante nada mais era importante e não queria estar em nenhum outro lugar.

Não queria perder o momento por nada, apetecia-lhe viver... sentir-se viva.

Friday, July 06, 2007

Mount Wroclai (Idle Days)



Desta vez não foi numa arvore milenar, nem em florestas encantadas. Não foi numa serra cheia de verdes nem em nenhum sitio mágico.
Não fui ao encontro da imaginação nem chamei por ela. Deixei-me estar apenas tranquila encostada à realidade, vendo-a passar, de sorriso nos lábios. Adormeço sobre as palavras que queimam na garganta mas esfriam imediatamente na ponta nos dedos e quando as tento dizer em voz alta para não as esquecer e partilhar com quem me rodeia apenas o silencio num tentativa frustrada de explicar o reboliço no peito... de tanto sentir!!

Desta vez foi sentada na secretária, cheia de tonturas, que fui apanhada com um som apenas de meio segundo. Um simples som soprado num instrumento diferente. Depois mais meio segundo de rouquidão seguida de uma parafernália de outros sons e rebentei em mil paixões espalhadas por ai, por aqui por ali. Arrebatada outra vez pelo desejo enorme de partilhar com quem sempre percebe tão bem este “ estado”, e sem saber acaba por apanhar uma ou outra ponta que fica solta completando o ciclo, fui ali ao lado... mas tinha-me esquecido. Não estava lá.


De ouvidos postos nas musicas... espero,
se me perguntar... por onde tenho andado, de onde venho e para onde quero ir, vou sorrir...“Beirut”!!

Friday, May 18, 2007

No matter how I try...


Completamente refeito do tempo em que a realidade se envolveu com farrapos rasgados em pedacinhos pequeninos demais e sem ter a paciência necessária para os juntar, um regressar de lado algum com sentido. Um renascer a partir de um vício tão superior aquilo que pensa conseguir controlar, porque afinal o que importa é conseguir planar baixinho de braço bem abertos ouvindo-os murmurar. E sorrir, simplesmente sorrir...

... foi já com os “phones” nos ouvidos que a inquidade cresceu dentro do silêncio. Deu-se a expectativa. Um tremer de estômago que insiste em ficar e pressentiu ao mesmo tempo que fechou os olhos que queria ficar ali para sempre. Atirada para um canto a tal realidade, desejou ser qualquer coisa que se dissolvesse no ar mais puro que alguma vez respirou!!

E a musica começou a tocar vezes sem conta até...
até se tornar mais do que perfeita!

Friday, April 20, 2007

Sobreviverei sem saber?!

Numa daquelas noites mornas que aparecem fora de época, por debaixo de um céu brilhante estranhamente ausente de lua lá estavam eles.

Ela, uma velha dançarina de Can Can despida de folhos, bailava dentro de um “maiô” vermelho, muito coçado, um rabo esquelético e pendurado. O ventre descaído de sete gravidezes transformadas em pequenos anjos que vivem lá em cima, encolhe-se agora de emoção e reboliço. Uns beiços finos quase inexistente e borrados de batom cor de rosa, incham sumptuosos na direcção oposta. Arregala uns límpidos olhos pretos e reprime estupidamente aquilo que sente.

Ele, um amolador de tesouras, facas, canivetes e navalhas trazia nos ossos os nós do oficio doloroso e na pele o negrume da roca. A carne nitidamente esquartejada de objectos tortos e afiados jamais iria alisar na perfeição. Consertava ainda chapéus de chuva com varetas partidas, a injusta causa de ter a vista esquerda completamente vazada e pálpebra descaída, contudo não se lhe esconde a verdade vomitada apenas pelo outro único olho. Os dedos eram os necessários para se entrelaçarem nos dela e o coração pingava-lhe aos pés um liquido que vinha não se sabe de onde.

Perto deles um pequeno macaco vestido de marinheiro comia amendoins fritos de mel e sal. Lambuzado beliscava-os cada vez que um pacote se esvaziava. Pedia mais, muito mais com a dentuça escancarada e a patorra estendida. E nem assim, aquela figura peluda os distraia daquele olhar, que quase no fim eles estavam a aprender.

Envergonhados ainda por um namoro recente, deixam-se ficar num silêncio cheio de desejos estimulados pelos sentidos. Tocam-se mentalmente e não tem coragem para o primeiro beijo que ainda não fora consumado. E se ele queria mais, muito mais senão um roçar de boca e língua. Afinal era humano e apesar de enrugado tinha tanto direito de cobiçá-la só para si, como todos os outro que não a alcançaram.

Impaciente e numa espontaneidade própria só dela pediu-lhe, sem conseguir controlar a voz para lá de trémula, que fechasse os olhos:
“- Pensa numa musica... Agora dança comigo!”

Cheios de sorrisos, levantaram-se e deslizaram da realidade coxa para lá de lá... ali no mesmo num sito onde passavam outras gentes outras vidas. Conhecedora que é das musicas de cabaré, o seu inconsciente foi buscar aquela que mais se enquadrava. A preferida a perfeita. A que se tornara bela naquele instante.

Que seria único e inesquecível... ainda não sabiam!!

No silencio do momento ouviu-se um pequeno cantarolar bem perto do ouvido, num sopro que causa arrepios. Conheceu aquela melodia soprada:
“- O Calhambeque, bi-bi, quero conservar o Calhambeque!!!

“- Fim!” Suspirou.

Eu queria-a... mas não a podia ter!!
Disse-me ele enquanto acabava de concertava o meu guarda-chuva favorito. Não percebi a história. Ou melhor, não percebi porque me contou a mim. Tive vontade de lhe fazer mil perguntas que me ardiam na garganta... “Se é verdadeira?! se a dançarina existe?! quem tinha cantarolado a musica?! ... de quem era o macaco?!

Mas... da mesma maneira que a começou a contar a história calou-se. “- Para si é de graça.”, disse ao mesmo tempo que esticou o guarda-chuva e se sentou na bicicleta sem cor e idade. Pegou numa gaita amarela e desceu rua abaixo...

Thursday, April 12, 2007

"It’s not fun to be so blind..."

Preparei bicicleta para aquela que seria a minha primeira volta desde Outubro passado. A adrenalina causada por aquela das quatro rodas adormeceu a loucura de pedalar, e agora ao preparar as coisas para começar uma nova etapa e passar um bocadinho comigo própria estava a um passo de distância. Juro que não tinha nenhum destino em mente, apenas queria montar e pedalar fosse lá até onde fosse... até as minhas forças cederem na hora do regresso e ter que sofrer nos músculos meses de desleixo.

Sempre que decido fazer estas “voltas sozinha”, às quais intitulei de “fazedoras de magia”, dentro de mim passa-se tudo de uma maneira tão automática e calma que até parece que consigo adivinhar os instintos que o momento me proporciona, talvez uma pequena ansiedade contraditória de querer antecipar o que vai acontecer. Porque sei sempre que algo de diferente acontece, afinal estou comigo num desejo maior do que eu em voar e partir para tão alto, baixar os olhos e olhar as mão estendidas que me procuram no chão.

No inicio da marcha comecei por relatar baixinho a paisagem como se lesse uma história e senti-me a entrar numa outra dimensão mergulhada naquele delicioso silencio que se ouve apenas quando estamos sozinhos porque queremos. Gemi logo nas primeiras dores e lutei na subida com umas "mudanças já ferrugentas" da humidade. Cuspi a palavras “bolas!!”com dificuldade e tentei não cair em gargalhadas com a minha figura.

No cimo da rampa parei no cruzamento e sem dar por isso já as minhas mãos e os meus pés se tinham tornado escravos do subconsciente e levaram-me até lá. Àquele sitio. Um sitio onde não deveria ir. Onde não deveria estar, e muito menos sozinha. Mais uma vez a condição feminina bate aos pontos um espírito sem sexo e limita-me nas bocas onde as aventuras são proporcionadas muitas vezes pelo perigo.... Mas naquele dia foi diferente e não estava com paciência para tentar perceber!!!

Confesso que tive que segurar o coração entre os dentes para que não me saísses pela boca fora, tal eram as vibrações que aquele lugar me transmitia. Agachei-me apenas um segundo no chão e olhei o mesmo percurso de há anos a trás... Ali estava eu no lugar onde conheci o "Ser" que vive no meu ombro e que constante me puxa os cabelos em tom de aviso. Ele próprio o reconheceu e os puxões nos meus cabelos tornaram-se tão fortes ao ponto de arrancar caracóis. Basta! Desta vez não lhe dei atenção e já nada interessava senão aquela prova de atravessar até ao outro lado que acaba em arriba para a praia.

Voltei a montar e segui pelo caminho pedregoso daquilo que outrora fora um pequeno bosque. Passai pelos caminhos estreitos e recordei os risos de regresso a casa. Aumentei a velocidade e imaginei uma ventania que me despiu em segundos e tudo se tornou colorido e distorcido. As pequenas arvores tornaram-se em carrosséis cheios de luzes incandescentes que giravam até estontear se o olhar se prendesse e as ervas transformam-se em pequenos pedaços de gelo que queimavam a pele. O céu deixou de ser azul e tornou-se em sete cores. Um palhaço baixinho talhado em madeira preta corria atrás de mim quase me tocando nos cabelos, que agora eram ainda mais longos e esvoaçante. Consegui esmurrá-lo no ventre, ri de orgulho. Afinal não era de madeira.
Continuei naquela fuga desesperada em pedaladas desenfreadas. Tudo estava em constante mudança.
À minha esquerda um exercito de uns seres que nunca vira antes, marchava já em minha direcção tentado alcançar-me. Um atingiu-me num braço com uma espada, e um terror de morte fez-me cravar os dedos nos punhos de esponja e descarnar as canelas nos pedais em bico afiado tal era força que exercia o medo.

Um rasgão... sangue num braço cortado quase pelo meio pendurado numa nudez desenhada a cor de rosa.

Estava um dia lindo dentro das quatro da tarde de uma terça-feira. O cheiro era o mesmo quando cheguei a arriba que dá para a praia... terra quente, água salgada e acácias. Deitei a bicicleta sobre as ervas e sentei-me pendurando os pés para o lado de lá. Fechei os olhos e não consegui imaginar nada que não fosse como tem sido até ali. Só tenho esta vida para viver e não posso perder tempo a questionar aquilo que amanhã pode tomar um rumo completamente diferente.

Olhei o mar e concentrei-me no meu corpo desde os bicos dos pés até à ponta dos cabelos. Senti a lufada de serenidade e tranquilidade. Inspirei e desmanchei-me numa alegria só minha.

Estava na hora de regressar a casa. Agora iria a pé e levaria a bicicleta à mão. A bainha das calças encalhou num dos pedais e cai numa queda apalhaçada (confesso). Ao longe ouvi aplaudir. Alguém que vira tal coisa não conseguia deixar de rir e aplaudir. O Ser que vive no meu ombro encolheu-se. Peguei-lhe e sentei-o no assento. Virei-me para onde os meus ouvidos me levaram ate ao insistente aplauso...

Num vénia muito elegante, agradeci!!!

"Oh I wish I could fly
Through the sky
And the moon above me
Oh I wish I could talk
To the gods and the birds above me
It’s not fun to be so blind
To be so blind"

Monday, March 19, 2007

"Come down!"


Porque a vida é... tão simples como o facto de estar sentada em mesa redonda, rodeada de doze sorrisos. É simples com pão, bolas de Berlim, cerveja e vinho tinto. É simples como a viola que toca repetidas musicas conhecidas em vozes desafinadas, acompanhadas por ritmos batidos com um só pé. É simples como as gargalhadas e os silêncios nos aplausos descontrolados. É simples como um tocar de ombro e um olhar que pega e não descola. É simples como a fogueira que arde para aquecer do frio que se aconchega nos ossos e é simples como a noite cheia de estrelas em constelações partilhadas em segredo...

Os fumos de velas e incensos misturando os cheiros transcendentes... cheira a mil flores naquele presente que não quero que acabe nunca. Aquele presente que foi ontem e ainda aqui está agarrado à minha memória, numa noite infinita, que se uniu naquele exacto momento em que não me posso sentir mais feliz dentro de uma enorme tranquilidade de apenas querer ficar ali para sempre.

O coração agora bate devagar... mesmo dentro das sensações ELE sabe, que "aquela que por fora conduz" quer viver no desalinho daquelas sensações. Sem regras mas com certezas... e com muitas paixões seguras entre as mãos, SIMPLESMENTE perdida de sorriso!!

"To Build A Home" – The Cinematic Orchestra
Explodi ao minuto e trinta e oito...

Tuesday, March 13, 2007

A senhora do calaboiço

Acreditava eu que os príncipes encantados apenas existiam na cabeça de donzelas tontas com voz de cana rachada e dedos picados de agulhas tortas de tanto tempo fiar. E sempre me fez sorrir a ideia do trovador a berrar para uma janela enfeitada, dedilhando tristemente uma cítara e agonizando trovas de amor eterno, provocando arrepios aos seres mais tristes que por ali passassem.

Acreditava sem sequer pestanejar que um dia nas batalhas entre as terras e mundos desconhecidos que tentei conquistar até aos dias de hoje, esbarraria com aquele que deveras arrebataria comigo e com um só olhar roubava-me alma. Teria que lutar até ficar sem forças pelo meu “eu” e se saísse vencida dar-me-ia a mim como prémio. Tentei acreditar nisso, e foi esse acreditar que me fez andar despreocupada a espetar beijos nos maiores sapos sapudos que se transformaram, não em príncipes mas sim em fieis amigos encantados que cavalgaram comigo em demandas fantásticas com fins espectaculares.

Bem.. tudo aconteceu num belo dia de Páscoa para lá do século passado. Limpávamos armas e descansávamos o corpo cansado de tanto percorrer... viver. Repousávamos em praias privadas sobe a areia que já começava a ficar morna, solta de limpa que estava. Desencravou-se unhas, retirou-se espinhos e curou-se chagas de tanta dança e contradança. Treinam-se novas tácticas e habitua-mos as mãos a outras mãos.

Optei por passear na carroça puxada por cinquenta cavalos voadores mas naquela velocidade em que se voa deliciosamente a meio gás, fechando os olhos e perdendo o controlo de segundo a segundo.
Parei junto à falseia e deixei-me sentir esvoaçante numa conversa repleta de piratas zarolhos à procura de mulheres de rabos grandes. "- Boas parideiras"... diziam em risos estridentes de dentes podres. (...)

O vento apertou como uma maldição e arrancou-me, numa força de mil homens, abruptamente da carroça. Os piratas não tiveram tempo de agarrar uma das minhas mãos e em trambolhões confundidos com aqueles voos que jamais queremos recordar, cai pela falésia abaixo mesmo em cheio dentro de um calaboiço perdendo os sentidos.

Acordei. Estremunhei o sitio e assustei-me quando olhei em volta aterrorizada com a ideia de ficar ali para sempre. Presa. Lembro-me do pânico agarrar-me o coração e apertá-lo. Lembro-me do desespero que esgravatou com os meus próprios dedos a terra ainda mole das ultimas chuvas. Tentei não chorar. Tentei não gritar!!

- És uma princesa?!
ouvi coaxar... do escuro.

Num palavrão guinchei que não me faltava mais nada se não um sapo repugnante a pedir-me para ser beijado... senti-o aproximar-se e respondi-lhe entre dentes que NÃO.
Foi-se aproximando e ainda não lhe tinha posto os olhos em cima já as minhas entranhas se reviravam e não estava a conseguir compreender o porquê de perder o controlo por mais de um segundo numa curiosidade quase predadora de ver. Encaramo-nos... ou melhor eu encarei-o. E não percebi o sentido que o meu coração seguia em centenas de batidas...

- Podes experimentar, por favor?!
Voltou a coaxar...

Estiquei os lábios...

Juro que não sei o que se passou. Não sei se o cheguei a beijar... e antes que uma luz muito forte me magoasse a vista, ainda vi ao longe do calaboiço, que até à altura era apenas um buraco pequeno, um vulto a correr...

Ainda gritei...
- Não reza a lenda que o sapo fica com quem o beijou...
Mas não se virou para trás, sequer.

Olhei para cima e estavam os piratas a tentar atirar cordas para me tirarem dali.
Quando por fim consegui agarrar um braço tatuado apercebi-me que já não era a mesma. Estava diferente e quando olhei para baixo senti-me a cair em direcção ao meu destino que tinha acabado de fugir... Inventei eu uma lenda e recolhi-me. Sabia que tinha ficado presa, na longa espera de um beijo sequioso.

Não tenho ideia do dia do calendário em que cheguei à boca do calaboiço e sem vida me atirei lá para baixo. Sem juventude e sem vontade, apenas com melodias cantadas em voz de cana rachada.

Com o passar dos anos comecei a ouvir um tilintar constante... eram moedas.

Em volta do "meu calaboiço" circundava a lenda dos amores eternos. E as verdadeiras princesas começaram a sair das torres e vinham até ao meu limite atirar moedas e fazer promessas para eu lhes devolver os amados... gritavam o meu nome e atiravam a moeda... como se eu fosse uma Santa que vivia ali há séculos, anos, meses, dias, horas, minutos e segundos à espera...

Thursday, March 08, 2007

"Cataracts"

Sim, foi uma fábula. Uma fábula feita de instrumentos musicais e vozes melódicas, sinos e de um menino de sorriso traquina que não pára de crescer. Era uma fábula feita de assobios, arrepios e borboletas. Sorrisos, gargalhadas e alegria. Uma deliciosa fábula que foi contada em surdina para não ser ouvida apenas sentida. Uma fábula de fechar os olhos dentro do inconsciente num sentimento que corre mais depressa que o próprio sangue. Foi uma fábula cheia de mistério e magia que nem sempre é entendida e foi tão vivida.

E com aquela musica no ouvido, assobiava dentro do sonho onde recordava a fábula passada.

... Assobio num vicio entranhado dentro em mim. E quantas mais são as vezes que a oiço mais tenho a certeza que...

Se deixar de sonhar definho...

Thursday, February 22, 2007

... o cheiro dos eucaliptos!

Dois dias. Dois dias assim, sem me lembrar de mim. Sem me lembrar das horas nem do tempo, apenas do momento e do espaço, dos seres evolventes e dos humanos iguais a mim. E foi com os olhos cheios de lágrimas que coloquei a ponta dos pés no limite que separa os mundos e escorreguei por aquele caminho que tão bem conheço mas já não me recordava o porquê dos meus bocadinhos ainda lá estarem.

Rebentei num choro de tal intensidade que acabei por esquecer qual a primeira razão porque o pranto começou, e aproveitei para chorar tudo de uma vez só. Meses semanas e horas de vontades reprimidas por dois lábios selados e uns dedos que apertam o nariz. Chorava de uma saudade dilacerante no peito QUANDO tudo acalmou ao sentir aquele cheiro tão familiar e antigo de menina. Tão aconchegante e ali tão perto do mim. O meu cheiro... o cheiro dos eucaliptos. Fechei os olhos e ouvi o vento a passar por entre as suas folhas em uivos ensurdecedores que traziam o aroma dos deuses profanando até os mais cépticos. E para esses já era tarde. O encantamento tinha começado.

Já era tarde para quem tão séptico ao meu lado caminhava... no desequilibrar das sensações consegui agarrá-lo. Suspenso pela gola do casaco numa força quase de me arrancar as unhas gritei-lhe entre dor e desespero que fechasse os olhos rapidamente...

Senti-os nos cabelos, nos braços nas pernas. Um namoro de pele, transformando cada um dos seus movimentos em mil beijos tranquilos colados por debaixo de um lindo céu. Embalo-me. Adormeço e pela primeira vez envio a magia de um mundo que é só meu para um cantinho da minha própria realidade... e explodi quando alguém, tão céptico até agora, fechou os olhos e voamos tão alto que nem nos lembrámos que se caíssemos e nos estatelássemos misturados no chão.... iríamos ficar para sempre uma só pessoa do mesmo sangue e da mesma carne.

Encaramo-nos. Devoramos retinas e sabores ainda presos na fresca recordação:
- Foi os eucaliptos.
Disse numa voz tremula e extasiada.
- O teu cheiro... o dos eucaliptos.

Friday, January 12, 2007

Untitled (...)

Ela
Vivia num sitio longínquo. Era um sitio tão longínquo e elevado que se perdia de vista em altura a desaparecer nas nuvens. Tão elevadas, que as casas eram construídas nos bicos das pedras e quando o vento era mais forte oscilavam, atormentando as vísceras de quem lá dentro morava.
Muitos foram aqueles que vieram de outras terras para o conquistar e poucos foram aqueles que o conseguiram dominar e por ali ficar. Houve os que tentaram e perderam-se nas encruzilhadas. Perderam-se nas florestas encantadas. Aquelas que o separam da realidade.

Eu
Parei de frente para o portão pintado de verde com um arco formado pelas eras passadas que cresciam em direcção ao céu. Não queria acreditar que não conseguia controlar o meu corpo, estava completamente sem forças. A razão de ali estar há já muito que me tinha esquecido, e o objectivo não recordado sentia-o a chegar ao fim. Peguei num fio amarelo que pendia na parte de fora e puxei-o. Sete sinos tocaram. Primeiro um de cada vez e depois os sete em repique. Um pequeno cão preto correu até mim num ladrar enorme. Sorri. Ninguém respondeu. Abri o portão e entrei por conta própria. O pequeno cão desapareceu à minha frente...

Percorri um comprido corredor de terra e pedras. Do meu lado direito ameixeiras, muitas ameixeiras de várias cores. Outra que nunca tinha visto, que nem conhecia. Um figueira, uma nogueira, um chorão sedento e um pequeno pinheiro que tentava já impor o que um dia viria a ser.
Ao fundo do corredor no lado esquerdo uma casa... branca com riscas amarelas.

Ela
Estava sentada no pequeno pátio situado a poucos metros da casa branca com riscas amarelas. Fumava um pequeno cachimbo talhado a navalha por ele, aquele que estava lá dentro com um coração maior do que ele próprio. Aquele que emanava musica passada e presente. Observava distraída o tempo morno. Absorvia a tranquilidade do riacho que atravessava a casa e que murmurava mesmo ali aos seus pés. As folhas caducas já repousavam no chão apodrecidas e Setembro debicava os restos de uma pequena horta agora abandonada e seca. Chegara a época dos amarelos e castanhos.

Eu
Avistei um pequeno pátio. Sentada estava um mulher, que fumava um cachimbo e brincava com o fumo que lhe saia pela boca em forma de círculos. Olhava em frente com olhos transparentes. Dirigi-me a ela e um pato que tranquilamente debicava os restos de uma pequena horta abandonada e seca esvoaçou assustado e desapareceu...

Ela
Avistou uma mulher que cruzou o lado esquerdo da casa branca com riscas amarelas. Estava bastante suja e não lhe conseguiu ver o rosto. Por momentos pensou que tinha conseguido cruzar as terras distantes e olhou-a espantada. Impossível. A mulher esticou-lhe a mão... deixou-a esticada por uns instantes e caiu sobre a erva molhada.

Eu
Desmaiei. Agora que vi gente podia descansar.

Ela
Correu até à mulher desmaiada. Agora mais de perto viu... os rasgões nos braços os joelhos sangrados e a roupa suja. Molhou as mão na erva e limpou-lhe a lama do rosto...
Era ela própria, ali caída.

Eu
Acordei com o rosto molhado. Olhei a mulher...
Era eu própria.

Ela
Por fim percebeu... que conseguia dominar a terra das mil e uma palavras...