Wednesday, November 30, 2005

Num mundo diluído em 99% de música

Muitas vezes excedo-me para lá do imaginável. Sinto que tenho dentro de mim uma capacidade única de voar na expressão dos sentimentos de maneira a deformar por completo a realidade...
Com facilidade levanto os pés da terra, e parto à aventura num mundo utópico. Um mundo onde tudo está em constante transformação de espaço, som, cor e luz. O mundo da imaginação.

A minha rampa de lançamento está na mais simples melodia.
Invade sem pedir licença os meus ouvidos, corre pelas as minhas veias e espalha-se por a mim adentro. Remexe-me as entranhas, encolhe-me devagarinho o estômago e aperta-me o coração. Entro num estado de pura embriagues, um estado que entorpece os pés e faz-me dançar desajeitadamente de frente para a fogueira das especulações.


Tuesday, November 29, 2005

1980!

Passei aquela tarde sentada na casa de paredes de vidro e telhado de lona, virada para o mar. O vento batia forte contra as vidraças e o barulho da chuva ensurdecia enquanto chicoteava a lona.
Enrosquei-me em mim própria sentada na cadeira, olhei duas vezes seguidas para o livro que estava em cima da mesa, mas não tive coragem de lhe pegar, simplesmente não me apetecia.

Lá ao fundo bem baixinho parece-me ouvir no rádio Simon and Garfunkel.. era mesmo... era Mrs. Robinson. Fechei os olhos e só os abri quando me vi sentada na parte de trás do carocha azul bebé a caminho da casa da minha avó.
Enquanto percorria aquele espaço intemporal, no peito ia sentindo as saudades que me rasgavam na passagem de um tempo absurdamente rápido.

Viajei até ao tempo da minha infância. Até à casa da minha avó, onde os dias eram tão cheios que na minha pequenez pensava que a vida não chegava.
E pensei particularmente, naquela hora sagrada, a hora em que o gira disco tocava Simon, disco atrás de disco. Chegávamos da praia, tomávamos banho num pequeno saguão, e enquanto se esperava vez, dançávamos os quatro numa loucura frenética ao som de berros e de refrães decorados de tanto ouvir.
Lembro-me de pensar que o mundo era só feito para mim e para eles, e de querer que nunca acabasse. Naquele momento não precisava de mais ninguém.

Aos poucos fui regressando à casa de paredes de vidro e telhado de lona. Agora já não se ouvia o vento nem a chuva. Ouvia-se a musica ainda mais alta, alguém tinha aumentado o som.
Na mesa do lado estava sentado um senhor com os olhos cheios de lágrimas... olhei sem querer olhar, e percebi na sua deficiência porque chorava.

Monday, November 28, 2005

Caminho de Pedras




Trago nos lábios um silêncio egoísta. Um silêncio que me alheia a um mundo de beleza desigual, e me mantém submersa num mar de recordações. Recordações recentes.

Abri o fecho da tenda pelo segundo dia, estava a nevar, o corpo já me tinha dito, mas a minha mente não estava preparada, já tinha chegado até ali, e não ia voltar para trás.

O reconhecimento sazonal foi concluído pelo o Caminho de Pedras. Pedras centenárias ali colocadas desde sempre para serem religiosamente seguidas, e confiadas cegamente na confusão das Cordilheiras. Qualquer tipo de profanação é o suficiente para andar horas atrás das minhas próprias costas.

A subida fere-me os músculos quentes. Injectados a um combustível chamado sangue não permitem que qualquer pé mais teimoso deite tudo a perder, naquele momento em que tudo se quer. A adrenalina estonteante move-me em léguas imaginárias num cansaço sem oxigénio até ao topo.

No topo dá-se a contemplação de um troféu há muito merecido, olho-o horas a fio e deixo a imaginação brincar ali por perto. É meu, mas não o agarro já, porque há muito mais para ver. Há sempre mais qualquer coisa para lá de lá... e sinto-me feliz dentro daquele sentimento.

Hoje ainda sinto o frio negativo entranhado na carne, mal protegida com gortex e um saco de cama mentiroso, na pele os arrepio do momento e na cabeça a alegria das palavras mal balbuciadas perdidas em gargalhadas.

No coração a expectativa da próxima vez. No espírito... esse ficou lá... penso que à minha espera. Convenceu-se que ficaria lá para sempre... mas para sempre é muito tempo.

Friday, November 25, 2005

Um dia voarei...

Mais um dia que, imaginei que conseguia voar. Fechei os olhos e coloquei os pés no limite da terra. Exprimi-me num grito mudo que me rebentava no peito, com a mesma intensidade que o vento batia nas minhas asas.
E percorri dezenas km em 5 minutos.

abismo dos encantados

Ontem durante um sonho, afastei as mantas da cama e levantei-me. Abri a porta da rua e coloquei os pés descalços no chão gelado. Percorri os poucos metros que me afastam de um espaço que inventei, onde ninguém consegue entrar.

Abri a gaveta da velha mesa imaginária que ocupa o seu espaço total, e tirei um embrulho de pano. Dentro desse embrulho estavam as minhas mais doces memorias.

E foi então que te recordei. Uma memória doce... um Cavaleiro encantado dos nossos dias. Trocamos cartas do mais puro amor que existe na amizade. Deliciei-me com cada história que me contaste, com cada as palavras que dedicaste e cada coisa que me ensinaste. Entrei no abismo dos encantados, e nunca mais de lá consegui sair.

“... Sem responder, com os olhos injectados de sangue, o velho olhou o abismo de onde a água jorrava. Mesmo à beira o jovem esperava ansioso.
Então, como ela lhe estendesse os braços, o velho completamente desorientado atirou-a sobre o jovem, que não conseguiu equilibrar-se e caíram junto no abismo.
Um grito uníssono soou. Um grito apenas. Depois, cortando o silêncio só o marulhar das águas em catadupas...
O velho quando os viu desaparecer no abismo, recitou as palavras de encantamento (...)

Hoje que recordo, descubro que as coisas só fazem sentido no memento, e coloquei-te novamente na gaveta.

Adeus "bolachas de àgua e sal"...



Este blog foi criado, na sequência do "espatifanço total", de um outro que outrora existiu. E como não gosto de olhar para trás ou chorar sobre o que se passou, aqui está um novinho em folha, e estou tão entusiamada como se do primeiro se tratasses.