Tuesday, September 25, 2007

alucina"ssss"ão!


Foi de pés gelados enfiados numas socas velhas que esperei duas horas pelo comboio. Coração pequeno e peito apertado numa camisola justa enfrentava o frio transbordado de época, atormentador de saias compridas. Pensei que pela hora que chegasse aos joelhos já eu tinha padecido ali mesmo naquele chão. Era a tal viajem. Eu e meia dúzia de coisas, que acabaram por se tornar ainda mais inúteis quando não foram necessárias um único dia sequer, numa Gare ainda de madrugada.

A porta de ferro abriu-se num cheiro tão característico de Verão. Estava cheio o comboio cinzento. Optei por ir em pé. Distrai-me num percurso de horas infinitas que se fez apenas no segundo em que esbugalhei os olhos numa revista velha de gente nua. Ao mesmo tempo percorro os olhos pelas carruagens lotadas oiço os murmúrios de mil conversas misturadas, mil rostos estranhos de olhares cheios de tudo. Risos de crianças e o cacarejar de uma Galinha Careca. Franzi o sobrolho.

Eram precisamente treze e trinta, quando o comboio parou no destino. Peguei na mochila e fui para a porta. A Galinha Careca esticou a asa e pediu-me que a ajudasse a descer as magras escadas. No momento em que pensei que só faltava o Senhor Porco e a Bicicleta ouvi um grito – COM LICENÇA! - Fui bafejada por um vento quente de queimar. Um vento que carboniza a roupa e deixa-nos a flutuar numa onda imensa. Pele acesa e incandescente. Era uma contrariedade muito real perante o corpo que ainda não tinha descongelado das ultimas horas de espera e os seis quilómetros que me separavam da vila mais próxima.

A Galinha Careca acendeu um cigarro e despediu-se numa palmada cacarejando – belo rabo, sim senhou!! – desapareceu por entre o fumo branco. Pregada num sorriso de loucura, retribui num berro – Estou louca, profundamente louca! – Apenas ficou o eco e o diabólico calor!!!

Na porta mágica que foi atravessada sem dor deixando deste lado tudo adormecido, aquilo que não estagnou, uma mistura de bocadinhos de uma pessoa, gostos, sentidos, cores e sons atravessou os seis quilómetros de alcatrão. Pisar de brasas congeladas na memória a cada fracção de segundo – Não se pode perder uma pitada, minha cara!! – Segredou a Galinha Careca em cima da minha cabeça. Desapareceu. “Bolas, como fuma esta cabra!”, pensei sem parar de tossir.

Em memoráveis momentos vividos lentamente como quem descai devagar, sentindo cada passo, recordo os mais simples, como um único respirar sentada na boleia agrícola bem perto de uma ovelha que berra, desalmadamente, aos meus ouvidos. Perguntei baixinho – Não és tu galinha, pois não?! – O pobre homem olhou para mim, abanou a cabeça.

No destino, dividi tudo por línguas estrangeiras e amigos alienados de outros países. Alemão e Sueco traduzido num Inglês trôpego e grandes olhares nunca antes visto, perdidos naquilo que se faz melhor. Viver ao contrario daquilo que é permitido e pisar devagar o risco bem de frente para um palco iluminado de mil tintas fluorescentes enquanto se canto um fado. O homem que desgraçadamente esfrega a grande barriga e coça a virilha bem de frente para o público numa madruga de foguetes ruidosos, é aplaudido ferverosamente. A musica é triste mas as gargalhadas descontroladas sem fim, num perigo iminente de se desmaiar, caem na atenção da Galinha Careca. Diz-se enamorada. Ela e o homem dançam, num espectáculo macabro.

Finalmente no descanso de um copo de vinho tinto, sentados à beira de uma piscina vermelha, conversas amenas de tardes quentes. Conversas que se misturam pela noite nua deitada sobre a relva. No breu, tremores alcoólicos vindos de conversas fantasmagóricas. – Estou com pele de galinha!! – ouvi dizer. Rua abaixo, porque é a minha vez, arrepiada dos pés aos cabelos, entro com a alvorada numa loja. Roço-me no minúsculo corredor de uma ainda mais minúscula padaria - Cheira a pão quente! - diz a embriagues envolta em risinhos desgovernados. E sabe tão bem, mas tão bem, que não consigo explicar... Pedi no meio de centenas de perdigotos – três pães quentes!! – Eternamente. Ou até ser novamente a minha vez.

O regresso, esse custa sempre. Sentada no banco da Gare vazia espero pelo comboio que volta do avesso. O tempo, esse passa estupidamente rápido. Penso nas sensações e transpiro naquele calor. É tão insuportável que o organismo não tem tempo de se arrefecer. Na onda do Bafo vejo alguém a aproximar-se. Várias pessoas pequeninas guinchavam – Quando voltas, quando voltas?!!!” – perguntaram. Resisti para ceder ao calor que ardia na vista...
- Outubro... - fiz silêncio - Outubro é um bom mês para regressar!! -

Entrei no comboio que parou quase a seguir. Escolhi o meu lugar no comboio vazio e abri a janela. Coloquei a cabeça de fora e fiz adeus. Deixei-me ir. Senti a velocidade do comboio a aumentar. Ao longe ainda vi a Galinha Careca chegar envolta no seu fumo. Não chegara a tempo para a despedida, decidira ficar. Que inveja... Mas quem é que inveja uma Galinha e ainda por cima Careca!!!

"Sentei-me no espaço que ainda tinha o teu cheiro. Quase que conseguia ainda sentir os teus cabelos em mim. Acendi um outro cigarro, olhei na tua direcção e ainda te vi, apesar de longe, no comboio:
- Até Outubro, miúda, até Outubro. – Cacarejei baixinho..."

Tuesday, September 18, 2007

Pena Azul!

Existem dias assim, qualquer palavra pode ser demais e qualquer gesto é sempre de menos. Qualquer sentimento é sempre inferior ao querer que não acabe, porque o imprevisto é sempre o nosso melhor amigo. Sempre.
Os dias são repletos de verde claro e verde escuro, cheios de altos e baixos. Dores. Cobertas e descobertas entre caminhos achados em ruas estreitas, veredas que de certeza não estavam lá ontem e revelaram-se hoje, inesperadamente transformadas em arvores que por sua vez se transformam em pontos de regresso. Um outro dia.

A tarde já alta começa azul e cor de laranja, junta-se inesperadamente na noite vermelho fogo e explode, como sempre acontece, em mil pedacinhos. Mãos que cheguem, não existem para os apanhar. São biliões por ali espalhados em sorriso e gargalhadas, espantos e bons momentos de sensações que parecem conhecem-se eternamente. Ouve-se um trombone arrepiante, que rasga incessantemente o rotineiro silêncio e a equidade desaustina o espírito que já lá está a ver o que se passa, envolto na imaginação repleta de faunos e fadas, duendes e muitas outras entidades disfarçadas de actores. Uma peça arrepiante.

Enfeitiçados, mil seres pisam a calçada de um Paço. Está escuro e os corpos juntam-se, sente-se o calor contíguo. Olhos que deambulam à procura, mais uma vez, do inesperado e a expectativa de quatro lados. As horas passam envoltas no encantamento de uma fantástica histórica, infelizmente verídica e os aplausos adivinham o fim tão cheio de cor, magia, sons cheiros e pessoas.

Acompanha-se as noites sentados nos bancos de pedra com os pés inchados na terra suja, olha-se o castelo lá bem no cima de tudo, envolto num fumo alaranjado... fazia tempo que o tempo não permitia tal coisa. Conversas de longa data. Ninguém sabe.

Devagarinho a madrugada, bem alta, embala na brisa fresca...


Nas profundas florestas um pequeno duende procura a sua pena azul. Pertence ao seu chapéu verde garrafa. Ao longe avistou os dois gigantes. Na correria de se esconder de certeza que a sua pena azul voara. Uns dedos enormes quase que o abalroaram de baixo das folhas castanhas onde se escondia, estremeceu de pânico. As suas vozes quase de rebentar os tímpanos, tão perto que estavam, misturavam-se entre os risos e sorrisos. Um deles pegou em qualquer coisa. No espaço de tempo em que se atordoo por aquilo que é eternamente apaixonado não se apercebeu... tinha sido assim roubada a sua pena azul!

"Para sempre teu...Paquito"