Wednesday, February 22, 2006

O tempo...


Sento-me de perna cruzada. Reparo nos movimentos constantes, que inconscientemente faço com o pé. Adivinha inquietude.
O chão passa a uma velocidade estonteante e não consigo perceber se sou eu que estou em deslocação ou não.

Anseio pelo daqui a bocado e pelo mais logo. Anseio por amanhã e pelo depois de amanhã. Corro ao lado de um tempo que não descansa, Tentando fintá-lo para o ultrapassar destemida... mas não consigo...

porque ao fim de tanto tempo... é que me apercebi que quatro dias podem vir a ser uma eternidade...

Monday, February 20, 2006

amicitate...


- Estás a dormir?
- Não consigo... estou com medo...
- Estás com medo de quê? (Indagou irritado)
- Não ouves o vento a chuva... e escuta... granizo... isto não vai aguentar...
- Pelos vistos este não se incomoda! (gracejou nervosamente)
- Pois... mas poderia cair o mundo que ele nunca acordaria...
- Descansa que com o peso de nós os três isto não voa de certeza...
- E com o peso de dois... aqueles que estão ali ao lado... será que aguenta?! (retribuiu exaltada)...
Olharam aterrorizados um para o outro...
- Alguém!!!
Gritou. Não obteve resposta.
- Alguém!!!!
Gritou. Voltou a não obter resposta.
- Que se passará. Não consigo ouvir nada... vou sair...
- Espera... se ambos sairmos daqui, de certo isto voará tudo, e levará consigo o que dorme... sozinha não resistes...
- E então os outros...

O Barulho da tempestade de encontro à lona, era ensurdecedor. Fustigada por ventos vindos em todas as direcções, acompanhado por rajadas de um granizo voraz, não aguentaria nem mais uma lufada.

Ela estava seca de tanta angustia. Só poderia contar com a destreza daquele que neste momento tinha os olhos injectados de sangue, perante tanta impotência. Perante um inimigo que idolatrava. Perante quatro vidas mais uma... a sua que daria pelos os outros...

- Temos que sair daqui os três ao mesmo tempo! (disse por fim)

Acordou violentamente o do sono pesado... estremunhado ouviu com atenção o que os dois lhe relatavam. Preparam-se para levar apenas o essencial... a roupa do corpo e os impermeáveis... e como que numa corrida cronometrada, abriram os fechos e saltaram os três ao mesmo tempo. Rebolaram paralelamente pela chão de terra preta. Mole...

Rapidamente uma língua de vento invadiu o interior da lona. Arrancadas como palitos de madeira frágil as estacas, que saltaram uma a uma. E num fechar de olhos, desapareceu velozmente no ar, levando consigo tudo o que estava no seu interior.

Os outros dois do lado, lutavam insolentemente com o vento. Não restou nada. Arrastados pelos demais resmungaram. Se deixassem teriam voado também...

Com a roupa ensopada, e os impermeáveis que se tornaram inúteis, deixaram-se ficar até onde tinha conseguido correr pelo caminho. E pediram protecção às acácias... Olhavam na mesma direcção estranhamente impávidos... maravilhados...

Wednesday, February 15, 2006

Simplesmente sublime!!


Ontem à noite quando cheguei não havia luz. Apenas a luz da grande lua ilustrada nas nuvens negras, que deambulavam no céu, ao sabor do um vento estranhamente morno. Penso que avisava chuva.

Guiei por uma estrada iluminada de candeeiros de rua e virei à esquerda para uma dimensão completamente diferente. Toda a aldeia se encontrava às escuras. Os aldeões que ainda não tinham terminado as tarefas agrícolas diárias, corriam apressados com o gado de um lado para o outro, e àquela hora a pequena drogaria que vende tudo já estava fechada.
Parei o carro e sentei-me num dos bancos do Largo do Coreto. Senti-me realmente feliz por ter o privilegio de poder estar ali... e naquele momento não precisar de mais nada... apenas estar ali... a observar e a ouvir...

...uma musica realmente bela. Aquela que consigo ouvir no silêncio da escuridão, porque fico mais atenta... Ao barulho dos cascos dos animais, que não vejo, a rasparem na calçada antiga e dos seus respectivos badalos. Ao tic tac do relógio da torre da igreja que ameaça bater a repique a qualquer momento as sete horas. Às folhas dos grandes Plátanos que roçam umas nas outras. Aos mochos que piam, e aos vários espanta espírito espalhados pelas casas que se agitam com a passagem do vento, criando entoações no final de cada refrão.

Cheira a petróleo... pendurados nos toscos alpendres das casa da aldeia, vários candeeiros acesos iluminam o pouco espaço exterior. Mas o que interessa é a sua presença e efeito... De todas as janelas dessas mesmas casas exalava a luz das velas acesas. Um luz laranja vinda de uma chama que desloca delicadamente as sombras de coisas inanimadas, e de dentro o cheiro de mais uma refeição nocturna que se mistura com outros odores... simplesmente sublime...

Estaciono melhor o carro sem acender os faróis, jamais quereria quebrar aquela magia, e dirigi-me a pé para casa. Embrenho-me na escuridão e vou ouvindo todos os sons ao compasso da minha caminhada.
No espaço que vou percorrendo, cruzo-me com um cão bem grande e familiar que apenas sinto quando já me está a lamber as mãos... e felizes rumamos a casa...

Tuesday, February 14, 2006

Elas as duas...


Estavam ambas sentadas à minha frente. Na mesa da esplanada que se encontra mesmo virada para a praia. Um fim de tarde morno, que proporciona o aconchego na cadeira e um sorver de palhinha na lata de chá gelado, para ouvir mais histórias realmente fantásticas, durante tempo indeterminado.

Sempre as conheci assim, e não as consigo imaginar em outra idade. Talvez seja o meu amor por ambas que me tolda os olhos para ficar eternamente com a mesma imagem... uma morena e uma loira... uns olhos castanhos e uns olhos azuis...

Todas as vezes que nos encontramos as três é para recordar, ou melhor para elas recordarem e eu ouvir... contam autênticas fábulas para crianças saídas de histórias verdadeiramente vividas por ambas, em outros tempos mais longínquos.

Imagino-me sempre a mim como uma das personagem que vive todas aquelas extraordinárias aventuras num espaço físico que tão bem conheço. Invento uma irmã que não tenho e sento os meus irmãos num banco à espera de uma aventura em que os rapazes também entrem. Por vezes vou à caixinha das memorias buscar as imagens que vi nos retratos sépia espalhados pelos vários apartamentos, e convido-as a virem também.

Completam as frases uma da outra falando em código de meninas que não entendo, e riem sonoramente sem parar... até às lágrimas. Falam de nomes infantis, que apenas conheço já em adultos... e torna-se difícil imaginar esses mesmo adulto, que hoje estão condicionados pelos movimentos da idade a subirem às arvores e aos telhados, correrem pelos montes distantes e roubarem caramelos na mercearia.

Em algumas ocasiões, de frente para ambas apenas consigo sorrir daquilo que não percebo... porque existem coisas que não se conseguem explicar, somente se conseguem viver ou imaginar... sorrio porque vou achando graça aos adjectivos que utilizam para descrever pessoas, ou um tempo em que alguma coisa muito importante aconteceu.

A história que mais gosto é faço sempre questão que a repitam para finalizar o encontro, é a do Circo. Em que um Edmundo qualquer que elas conheceram, num dos anos em que o Circo desceu à aldeia, se apaixonou perdidamente pela mulher barbuda, e fugiu na sua caravana.
Já a sei de cor, mas parece que sempre que a contam lembram-se de um qualquer pormenor novo. E contam-na com o mesmo entusiasmo e ênfase, numa mistura de risadas demoradas... às quais as minhas se juntam...

São elas... somos nós três... é o fim de tarde morno e ameno... pequenas homenagens a adultos com nomes infantis e a pessoas que já não existem... são espaços pequeníssimos de tempo... que tornamos imortais a cada encontro...

Para M. e T.

Friday, February 10, 2006

Num jardim depois do sol...

Depois do cansaço ter tomado por completo o domínio do meu corpo, sentei-me num pequeno banco de madeira, mesmo de frente para aquele grandioso monumento. Olhei à minha volta e só então reparei o quanto já era tarde. Mas fiquei prostrada na mesma posição, deixando o vento arrancar-me aos poucos da memoria do que se que tinha passado.

Observei pacificamente o monumento majestoso. Reparei nos pequenos pormenores das estátuas que pendiam dos telhados e exclamei para mim o quanto pareciam reais. Na minha cabeça já oscilavam as ideias mais absurdas, numa tentativa de engendrar uma invasão aquilo que não era meu. Queria ver de perto, e poder apalpar aquilo que para mim estavam perfeitamente bem esculpido.

Vinda de nenhures surgiu uma mulher que se sentou ao meu lado. Não a senti. Estranhou eu estar ali àquelas horas, não respondi. Estava cansada de mais para afastar os lábios e soltar qualquer som... Percebeu.
Disse que queira contar-me uma história. Acenei com a cabeça, e mexi-me apenas para me colocar numa posição mais confortável.

Começou então:

Aconteceu assim que o sol se escondeu, num monumento rodeado por um jardim exuberante preso em quatro muros que protegem arvores exóticas e grutas labirínticas, relógios de sol, estátuas antigas e animais de pedra. Um jardim que acorda com espírito próprio e concretiza sonhos mágicos em mais uma noite cheia de vidas não respirada.

Sentada no seu púlpito, que adorna um dos telhados do magnifico monumento ogival há mais de mil anos, permanece imóvel e resistente.
Atrás, na nuca, sentiu um estilhaçar que lhe percorreu o resto do corpo desumano. Estava a partir-se. Saia de dentro de uma casca de pedra, sem fazer um único barulho e aos pouco ia-se articulando novamente . Ao seu lado, em púlpitos vizinhos outros se partem em formatos diferente e saltam em pulos descomunais para a cor roubada pela escuridão.

Saltou para a calçada do pátio. E numa paisagem que observava em anos que já perdeu a conta, inspirada numa história que já não se recorda, cumprimenta a sua efémera amiga liberdade. O vento feliz por a ver, revolta-lhe os enormes cabelos lembrando-a das horas que possui até ao próximo sol.

Por todo o jardim, deambula uma mistura de entidades muito antigas que povoam apenas os sonhos humanos. Os sonhos daqueles pelos quais estavam proibidos serem vistos mesmo em aparições. Existia uma lei muita velha. Redigida há milhares de anos com o sofrimento de todas as entidades, contendo uma penalização fatal. Não é necessário ser relembrada, todos a sabem de cor, e não falam dela. Repartem apenas o seu tempo em alegres conversas desconhecidas, festas, músicas e danças.

Com a túnica a esvoaçar fantasmagoricamente, correu pelo caminho dos Deuses sem desviar o olhar. Conhece as suas histórias e não quer entrar em nenhuma delas. Ouviu murmúrios sobre alguém que já não existe. Alguém que ousou apaixonar-se pela beleza e uma deusa.

Alegre continua... elogia as folhas que apanham os pingo de humidade, e beija as flores que não acordaram. Apesar de ir na direcção certa, naquela noite não lhe apetecia festas nem conversas. Caminhou alegremente até ao limite do muro e espreitou para o mundo humano, riu. Foram muitas a vezes que foi tentada a atirar-se, só para ver como era... Sentou-se no chão e distraiu-se consigo.

Ouviu uma respiração. Com os olhos procurou em várias direcções o seu possuidor... pensou tratar-se de uma habitual brincadeira, e voltou aos seus pensamentos. Novamente a respiração e pressentiu medo... procurou novamente. Espreitou para debaixo de um banco de pedra ornamentado com conchas marinhas... e não queria acreditar no que via... um humano.

Um grito ensurdecedor percorreu todo o jardim... e quanto mais ela se mexia numa tentativa de o calar mais ele gritava de pânico. Se os outros o ouvissem estariam ambos condenados. Sabia a velha lei de cor. Os outros ouviram... e eles foram condenados...

Do humano nunca mais ouviu falar. Ela fora atirada de um dos quatros muros que rodeavam o monumento... condenada a deambular pelo mundo exterior durante a noite, podendo apenas regressar antes do seu corpo não humano começar a petrificar.

... Silêncio.

Respirei fundo... Imaginei toda aquela história passada naquele mesmo monumento que se encontrava a minha frente. Virei-me para elogiar... e ninguém, não a senti...

Thursday, February 02, 2006

O que poderia ter acontecido....


Deslizo sobre mente e a meio do caminho apercebo-me do que já percorri. Vejo-me a trautear um trecho literário de uma alegre musica muito antiga que não conheço. Passo por sonhos que não sonhei e desejos que não desejei...
Perto de mim uma névoa espessa e cerrada bem rente ao solo afasta-me para outros caminhos que não escolhi, empurrando-me numa curiosidade para lá de humana em mirar ao de leve o que poderia ter acontecido.

Por detrás daquela névoa espessa rente ao chão, que rapidamente se transforma num denso nevoeiro, oiço sons confusos de vozes em simultâneo e vejo figura indistinta. Vozes que conheço e vozes que não conheço. Murmuram qualquer coisa que não entendo. Falam de mim porque oiço o meu nome...

Chamo com saudade os nomes daqueles que por mim se cruzaram, e que mudaram o rumo daquilo que poderia ter acontecido. Grito perdão aqueles que já não o podem aceitar, e aceito o perdão daqueles que já não o podem pedir. Mas da minha boca apenas saem nomes que nunca ouvi de outros que nunca vi. De olhos arregalados observo uma multidão ali tão presente e tão estranha, cada um com um papel reservado que nunca foi sequer ensaiado. Desenho com os dedos uma porta imaginária sem fechadura e desobrigo-os de ali estar... desapareceram...

Distribuo várias ideias por balões que exprimem os diferentes estados de alma, e arrumo por ordem alfabética os de antes e os de agora, deixando voar os que poderiam ter existido... e com eles a sensação de ter perdido alguma coisa.

Deslizei pela minha mente e a meio do caminho apercebo-me do que já percorri. Vejo-me a trautear um trecho literário de uma alegre musica muito antiga que tão bem conheço. Recordo os meus sonhos e desejos. Sorrio para ninguém, sorrio para mim mesma. Perto de mim brincam nas sombras os últimos traços de luz provenientes do sol, no céu as nuvens parecem ter sentido com a mesma intensidade... aquele tão saboroso bem estar...