Wednesday, June 28, 2006

Coisas do quotidiano!

Hoje, como todos os dias úteis, e repito úteis, levantei-me ao som do despertador cujo o toque já foi mudado mais de cinco vezes no espaço de uma semana. Tento desesperadamente enganar o consciente adormecido que já reconhece todos os seus toques e o cansaço que já alucina por descanso, mas o resultado é sempre o mesmo. Adormeço mais dez minutos.

Sentei-me na cama a espancar os últimos rasto de preguiça do corpo, e no cérebro ainda me queimava a discussão que se desencadeou na reunião do dia anterior com o senhor “Não me chateies e deixa-me lá faltar depois de amanhã”... Fechei os olhos.

Ainda sentada na cama senti uma comichão enorme no fundo das costas. Joguei os dedos com a intenção de coçar e eis que senti uma camada escamosa. Mais uma vez abominei o chocolate que tinha devorado depois do jantar. Por mais que me provoque alergias pavorosas nunca resisto.

Arrastada pelas horas abri a torneira para o duche, olhei-me ao espelho. Não me consegui ver com o vapor da água quente. Lambi-me. Olhei em volta e tropecei em alguma coisa. Levantei-me, virei-me e voltei a tropeçar, amaldiçoei o tapete que passa a vida enrolado nos meus pés. Optei por ignorar tudo, mas tudo mesmo e preocupar-me exclusivamente por me pôr a caminho já atrasada. Espremi a pasta para a escova de dentes e lavei aquilo que eu pensava serem dentes... e não umas enormes mandíbulas de onde brotavam (...) alguém ou um vulto passou por detrás de mim. Eu vi, desfocado no espelho mas vi. Paralisei de medo. O que raio estaria comigo dentro da casa de banho. Mais uma vez. Direita, esquerda.

Lambi-me, lambi-me e voltei a lamber-me e única coisa que me saltava ao sentido cheiro era o pequeno almoço. Respirei fundo e enchi-me de coragem. Voltei-me (...) e um GRITO ensurdecedor saiu-me dos fundos mais recônditos da garganta. Com escamas intervalada entre o vermelho e o azul cobalto, uma enorme cauda surgia do fundo das minhas costas e enrolava-se no chão com extremidade terminada em seta. Decerto neste momento estava a alucinar só podia... estaria ainda sonhar dentro da minha própria realidade.

Seguiu-se uma enorme dor numa das omoplata e a seguir na outra. Guinchei e senti nos cabelos o vento de umas pequenas asas feitas de cartilagem e uma fina membrana de pele... chegou a minha hora, só podia!!!

Voltei a gritar de horror e um lance de chamas saiu de dentro da minha boca. Peguei fogo à casa de banho. Na mistura de sensações sem saber como agir numa situação em que me transformava em qualquer coisa não humana levantei voo, instintivamente. Voei pelo tecto carbonizado. Lambi-me e apercebi horrorizada da minha pobre figura... olhei-me e vi-me coberta de escamas intervaladas de vermelho e azul cobalto, umas enormes garras substituíam-me as mãos e os pés. Até um chifre tinha no alto da cabeça. Num voo alado dirigi-me à Serra para me esconder.

(Já me imaginava a entrar no escritório para começar a trabalhar e todos a correr apavorados à minha frente. O mais engraçado seria tentar escrever no teclado com umas unhas enormes e amareladas. Melhor ainda seria o senhor “Não me chateies e deixa-me lá faltar depois de amanhã”... a perguntar-me corajosamente porque tinha chegado atrasada. Até aqui tem uma certa piada).

Desviei a cauda e sentei-me numa das pedras que circundam a serra. Chorei. Olhei para a minha barriga enorme e para as minhas pernas minúsculas que terminavam nuns pés cheios de altos escamados e com unhas curvadas para dentro, ainda por cima amarelas!! Voltei a chorar de desgosto e apenas lamentava o facto de estar transformada num descomunal Dragão. Lambi-me. Ainda não me tinha visto por inteiro, mas só de me imaginar a lágrimas jorravam de uns olhos anormalmente redondos e enormes, que se fizesse um esforço até a meu próprio rabo eu conseguiria ver. Lambi-me e saboreie as minhas lágrimas que eram doces. O estômago roncou. Lambi-me.
Pus-me de pés e olhei num potencial pequeno almoço, decerto com o estômago cheio conseguiria pensar melhor no que fazer e como agir. Com um andar esquisito, aliás bastante esquisito, cambaleava para os lados cada vês que esticava uma das minúsculas pernas e tropeçava nas minas próprias unhas percorri o pequeno bosque onde eu estava(...)

Um sorriso enormes pregou-se nos meus lábios. Bem, até hoje nem sei se tinha lábios. Melhor mesmo será dizer que um gigantesco sorriso se pregou na minha gigantesca bocarra, quando pensei no sabor que o senhor “Não me chateies e deixa-me lá faltar depois de amanhã” teria??!!!

Com as minhas reacções a uma velocidade superior às do meu cérebro, voei por instinto. E quanto mais me tentava controlar mais as asas batiam em direcção a um local que eu tão bem conhecia. Parei do lado de fora do edifício. Lambi-me e procurei a janela exacta. E como um perdedor faminto farejei a minha presa e voltei a voar mais para cima. Pairei do lado de fora da janela certa (...)
Lá estava ele, sentado na sua poltrona de pele de crocodilo (senti uma tristeza enorme por aquele meu primo distante transformado em cadeira) ao de leve toquei no vidro com a unha. Ele virou-se e deixou cair o telefone...

O despertador voltou a tocar. Tinha adormecido os habituais dez minutos. Despachei-me o mais depressa que pude e pus-me a caminho. Parada no transito e já a tentar inventar uma desculpa para mais um atraso, comecei a recordar-me de um sonho com dragões. Era engraçado desculpar-me dizendo-me que me tinha transformado num dragão. (no mínimo acabaria no fundo desemprego).
Quando entrei no edifício estavam todos descontraidamente a conversar. Achei estranho, porque o senhor “Não me chateies e deixa-me lá faltar depois de amanhã” por regra geral percorre os corredores e coloca toda a gente sentada no seu devido lugar... a produzir. Como precisava mesmo de faltar depois de amanhã não esperaria nem mais um segundo, subi as escadas e dirigi-me ao seu gabinete:
- Alice, o senhor “Não me chateies e deixa-me lá faltar depois de amanhã”, está ai?
Alice olhou para mim com um ar de espanto...
- Mas tu ainda não sabes???

O pobre senhor “Não me chateies e deixa-me lá faltar depois de amanhã”, tinha-se sentido mal. Alice cuja a secretária está mesmo colocada junto a sua porta e as suas tarefas separam-se entre levar-lhe cafés e dar as más noticias ao pessoal, ouvira um ensurdecedor berro vindo de dentro do seu gabinete. Apressara-se a entrar na sala e já o encontrou desmaiado e em estado de choque.
- Alguma notíca que recebeu ao telefone!!! Disse ela com gravidade...

E fiquei a pensar seriamente:

- mas afinal depois de amanhã posso faltar ou não?

Wednesday, June 21, 2006

Starlight...

Perdi o controlo na loucura que os dias me proporcionaram e... andei com a musica dentro do corpo e como se de uma paixão se tratasse não consigo respirar na sua ausência. Absorvo cada palavra que se grita por cada poro que tenho na pele. E encolhe-se em arrepios.

Perdi o controlo na loucura que os dias me proporcionaram e... sem dar por isso transformei-me em cavaleiro na conquista de mais um reino que numa velocidade alucinante percorre vales montado num cavalo alado de asas doiradas. Sobrevoo castelos, florestas vermelhas e lagos cobertos seixos. Nas suas águas mágicas reparo de relance no meu reflexo e sorrio porque voltei a mudar de forma e cor. Sou homem, sou mulher e criança não sou ninguém. Sou um mágico, um mago uma fada um pirilampo. Não existo!
E naquelas modificações constantes de personalidades estendo as mãos que se escondem numas mangas cor de laranja e equilibro-me no dorso do corcel, cortando o vento que me eleva a uma liberdade extrema.
Sou quem e o que eu quiser...

Perdi o controlo na loucura que os dias me proporcionaram e... sou tempestade que se apaixona pela chuva e se agoira em trovão que descarrega a sua ira no longínquo oceano. Sou liquido que se mistura com sal e areia. Vagueio pelas corrente marítimas e dou uma volta completa ao mundo. Evaporo-me e volto ao vento tornando-me invencível e indestrutível naquela forma mais simples que não se vê. Sente-se. Revolto os cabelos de uma princesa que chora presa numa torre. Sou essa mesma princesa que morre de amor por quem não vêm e sou o príncipe que lhe dá o eterno beijo.

Na pausa de uma musica para a outra abro os olhos e aproveito para descansar porque sei que assim que começa lá vou eu novamente como se do nada uma mão cheia de força me puxasse. E estou sempre a sorrir e a querer mais. Conseguindo voltar sempre para mim...

Tuesday, June 06, 2006

Um sorriso ao cimo das escadas

Quantas vezes dou por mim a navegar por mundos emprestados e muitos são aqueles que me deixam suspensa nas batidas rápidas do coração e me envolvem as entranhas. Fico quieta num canto e observo apenas sem fazer barulho, deslumbrando-me de tal maneira que tento sempre inspirar um bocadinho daquela essência e guardá-la num cantinho das bochechas soprando-a quando me sinto inanimada. Muitas são as vezes que vou sozinha, alias quase sempre e faço de maneira que ninguém me veja e sorrio entre uns lábios escondido até que por fim regresso numa suave aterragem... sem um único arranhão.

Convenci-me que tudo o que me rodeia é mágico. Transformo simples mortais em seres encantados que preenchem a minha vida de encanto e dou por mim a pensar que tudo e todos são imortais e sempre que quiser vou poder fechar os olhos e voltar décadas atrás mas...

Agora aproxima-se o momento em que vou subir aquelas escada de madeira que rangem ao peso do pé e não vai lá estar aquele sorriso por detrás daquela porta pintada de branco. Ninguém vai abrir. Se sorte tiver ocasionalmente ela abrir-se-á de velha e abandonada que está. O espanta espíritos vai tilintar num corrente de ar que se troca com uma janela de vidros partidos e eu vou tentar entrar. Pegarei nos retratos gafos pelo pó e com a ponta do dedo limparei aqueles rostos tão antigos presos em papel. Rosto que já não existem ou simplesmente estão imortalizados em genes apôs genes. Enquanto percorro o resto do apartamento afastarei da cara as teias persistentes dos seus novos inquilinos e tento não perturbar a sua paz.

A mesa do chá o cheiro da caixa das bolachas de baunilha estarão e ficarão sempre lá e aqui, nas minhas narinas que acolhem odores a partir do meu melhor sentido. A sensação de uma vida que ali existiu, mas que ainda não partiu, já não volta para mover os objectos e os trocar constantemente de lugar vai encher-me os olhos de lágrimas. Beijarei as dedada deixadas nos livros que foram lidos tarde após tarde, e vou inspirar cada palavra que me ferve na memoria recordando cada história contada com a convicção de uns olhos pintados de azul transparente.

Por fim antes de me virar para fechar a porta branca atrás das costas, olharei para o pequeno escritório e repararei na manta esquecida na cadeira de madeira muitos dias antes. Devagar aproximo-me e toco-lhe ao de leve com as mãos. Inspirarei o cheiro do corpo que aqueceu... e o que vou sentir?!

A porta branca fecha-se atrás das minhas costas. Começo lentamente a descer os degraus de madeira uma a um... Sopro os pós mágicos que trago num cantinho das bochechas e lá em cima oiço:
- Amanhã à mesma hora...


Quanto tempo é o suficiente para dizer adeus para sempre...

Thursday, June 01, 2006

“Brilhozinho nos olhos”!!!

Estacionei o carro, no mesmo sitio onde aprendi a andar de bicicleta. Olhei em volta e reparei em como tudo estava na mesma. Os mesmo cheiros e as mesmas pessoas. Pessoas essas que outrora eram jovens adultos penduravam-se agora nas varandas aproveitando o vento morno de uma noite de verão que lhes sopravam amenamente nos cabelos já grisalhos. Falavam umas com as outras de assuntos corriqueiros e conforme vou passando acenam-me em sinal de reconhecimento e sorriem perante a pequena pessoa que ali já brincou. Muitas delas são os progenitores daqueles que comigo descobriram as maravilhas do pequeno bosque que foi substituído por mais um prédio, cimentando hoje apenas a recordação de risos e gargalhadas de crianças. O bosque onde conheci a “Rainha dos Seixos”.
Passei pelo “lugar” da esquina onde ainda a Dona Cila avia os seus cafés e copos três. Engraçado nunca conseguiu dizer o meu nome como deve ser, tira-lhe sempre o único “ R” que têm, ontem não foi excepção(...)

Cheguei à porta da casa que mais recordações me trás. Os mesmos sorrisos e cheiros estão sempre lá. É a casa onde volto rigorosamente como uma ave migratória. Sei sempre que posso voltar.
Não entrei. Não logo naquele instante. Olhei o muro que segurou a minha adolescência. Descalcei-me e pendurei-me como sempre o fizera. Faltavam os outros mas bastou fechar os olhos para os sentir ali... os primeiros pactos de amizade, as primeiras ilusões e desilusões. E deixei-me estar ali sem me preocupar com quem passava.

Sem dar por isso comecei a cantar baixinho uma musica que já não me passava pelos ouvido há muito tempo mesmo:

“Com um brilhozinho nos olhos
e a saia rodada
(...)
“é que hoje fiz um amigo
e coisa mais preciosa
no mundo não há.”

Continuei de olhos fechados, e a musica surgiu-me nos lábios com se a estivesses a ouvir:

“E com um brilhozinho nos olhos
tentamos saber
para lá do que muito se amou
quem éramos nós
quem queríamos ser
e quais as esperanças
que a vida roubou
e olhei-o de longe
e mirei-o de perto
que quem não vê caras
não vê corações
com um brilhozinho nos olhos
guardei um amigo
que é coisa que vale milhões.

E que é que foi que ele disse?
E que é que foi que ele disse?
Hoje soube-me a pouco
Hoje soube-me a pouco
Hoje soube-me a pouco
Hoje soube-me a pouco
Passa aí mais um bocadinho
que eu estou quase a ficar louco
Hoje soube-me a tanto....
Portanto, hoje soube-me a pouco*”

No fim um enorme aperto no peito pensei: “terei eu este tempo que passou, passado pela vida, ou foi a vida que passou por mim?!


E com um brilhozinho nos olhos voltei a calaçar-me e subi as escadas até ao primeiro andar da segunda casa. Cheirava a ervilhas. Sorri com todos os dentes que tinha, e senti as minhas certezas dentra das minhas escolhas feitas até ali...

* Sérgio Godinho “Brilhozinho nos olhos”!!!