Tuesday, June 06, 2006

Um sorriso ao cimo das escadas

Quantas vezes dou por mim a navegar por mundos emprestados e muitos são aqueles que me deixam suspensa nas batidas rápidas do coração e me envolvem as entranhas. Fico quieta num canto e observo apenas sem fazer barulho, deslumbrando-me de tal maneira que tento sempre inspirar um bocadinho daquela essência e guardá-la num cantinho das bochechas soprando-a quando me sinto inanimada. Muitas são as vezes que vou sozinha, alias quase sempre e faço de maneira que ninguém me veja e sorrio entre uns lábios escondido até que por fim regresso numa suave aterragem... sem um único arranhão.

Convenci-me que tudo o que me rodeia é mágico. Transformo simples mortais em seres encantados que preenchem a minha vida de encanto e dou por mim a pensar que tudo e todos são imortais e sempre que quiser vou poder fechar os olhos e voltar décadas atrás mas...

Agora aproxima-se o momento em que vou subir aquelas escada de madeira que rangem ao peso do pé e não vai lá estar aquele sorriso por detrás daquela porta pintada de branco. Ninguém vai abrir. Se sorte tiver ocasionalmente ela abrir-se-á de velha e abandonada que está. O espanta espíritos vai tilintar num corrente de ar que se troca com uma janela de vidros partidos e eu vou tentar entrar. Pegarei nos retratos gafos pelo pó e com a ponta do dedo limparei aqueles rostos tão antigos presos em papel. Rosto que já não existem ou simplesmente estão imortalizados em genes apôs genes. Enquanto percorro o resto do apartamento afastarei da cara as teias persistentes dos seus novos inquilinos e tento não perturbar a sua paz.

A mesa do chá o cheiro da caixa das bolachas de baunilha estarão e ficarão sempre lá e aqui, nas minhas narinas que acolhem odores a partir do meu melhor sentido. A sensação de uma vida que ali existiu, mas que ainda não partiu, já não volta para mover os objectos e os trocar constantemente de lugar vai encher-me os olhos de lágrimas. Beijarei as dedada deixadas nos livros que foram lidos tarde após tarde, e vou inspirar cada palavra que me ferve na memoria recordando cada história contada com a convicção de uns olhos pintados de azul transparente.

Por fim antes de me virar para fechar a porta branca atrás das costas, olharei para o pequeno escritório e repararei na manta esquecida na cadeira de madeira muitos dias antes. Devagar aproximo-me e toco-lhe ao de leve com as mãos. Inspirarei o cheiro do corpo que aqueceu... e o que vou sentir?!

A porta branca fecha-se atrás das minhas costas. Começo lentamente a descer os degraus de madeira uma a um... Sopro os pós mágicos que trago num cantinho das bochechas e lá em cima oiço:
- Amanhã à mesma hora...


Quanto tempo é o suficiente para dizer adeus para sempre...

11 comments:

Kiau Liang said...

ò Moura encantada, sabes que nunca se diz adeus para sempre....

...porque para sempre, vivemos no coração das pessoas que amamos...

rspiff said...

rspiff ouviu uma voz a chamar e saiu das suas sombras... para fazer companhia...

Lord Poseidon said...

Memórias, cheias de pó, recordações, nostálgicas, que deixamos pela vida fora.
Belíssimo texto.

poca said...

inspiro e expiro lentamente...
reparo agora que retive a respiração enquanto lia... não queria quebrar o encanto, retirar a magia...
queria poder lá estar no cimo das escadas para sorrir para ti, queria te confortar, queria retirar-te a dor...
mas sei que ninguém pode substituir ninguém.
quanto tempo leva... não interessa... fica a memória do que se viveu... e essa é tua, para sempre!

"Transformo simples mortais em seres encantados que preenchem a minha vida" lindo lindo lindo... doce doce doce... inspirador!

beijinhos e bom fim de semana

inBluesY said...

e ao cimo das escadas o sorriso irá sorrir à boa nova já tens musica, não a ouves ... é linda !


:)

Seamoon said...

ufasss...lindo como sempre!!

Madame Pirulitos said...

Vou ter que te encontar.

inBluesY said...

espero-te :)

nunocavaco said...

É bom recordar e recordar o que kiau liang escreveu "... porque para sempre, vivemos no coração das pessoas que amamos..."

Clara LT said...

beijos!!!!!! Lindo texto

Luiz Carlos Reis said...

O tempo constrói pilares, macula a saudade e encanta a memória...perde-se àquele que diz adeus. Um sorriso, um cheiro, lembranças e momentos que jamais esquecemos!
Serei assíduo à teu cantinho, se me permites à claro!
Abraços!