Friday, January 12, 2007

Untitled (...)

Ela
Vivia num sitio longínquo. Era um sitio tão longínquo e elevado que se perdia de vista em altura a desaparecer nas nuvens. Tão elevadas, que as casas eram construídas nos bicos das pedras e quando o vento era mais forte oscilavam, atormentando as vísceras de quem lá dentro morava.
Muitos foram aqueles que vieram de outras terras para o conquistar e poucos foram aqueles que o conseguiram dominar e por ali ficar. Houve os que tentaram e perderam-se nas encruzilhadas. Perderam-se nas florestas encantadas. Aquelas que o separam da realidade.

Eu
Parei de frente para o portão pintado de verde com um arco formado pelas eras passadas que cresciam em direcção ao céu. Não queria acreditar que não conseguia controlar o meu corpo, estava completamente sem forças. A razão de ali estar há já muito que me tinha esquecido, e o objectivo não recordado sentia-o a chegar ao fim. Peguei num fio amarelo que pendia na parte de fora e puxei-o. Sete sinos tocaram. Primeiro um de cada vez e depois os sete em repique. Um pequeno cão preto correu até mim num ladrar enorme. Sorri. Ninguém respondeu. Abri o portão e entrei por conta própria. O pequeno cão desapareceu à minha frente...

Percorri um comprido corredor de terra e pedras. Do meu lado direito ameixeiras, muitas ameixeiras de várias cores. Outra que nunca tinha visto, que nem conhecia. Um figueira, uma nogueira, um chorão sedento e um pequeno pinheiro que tentava já impor o que um dia viria a ser.
Ao fundo do corredor no lado esquerdo uma casa... branca com riscas amarelas.

Ela
Estava sentada no pequeno pátio situado a poucos metros da casa branca com riscas amarelas. Fumava um pequeno cachimbo talhado a navalha por ele, aquele que estava lá dentro com um coração maior do que ele próprio. Aquele que emanava musica passada e presente. Observava distraída o tempo morno. Absorvia a tranquilidade do riacho que atravessava a casa e que murmurava mesmo ali aos seus pés. As folhas caducas já repousavam no chão apodrecidas e Setembro debicava os restos de uma pequena horta agora abandonada e seca. Chegara a época dos amarelos e castanhos.

Eu
Avistei um pequeno pátio. Sentada estava um mulher, que fumava um cachimbo e brincava com o fumo que lhe saia pela boca em forma de círculos. Olhava em frente com olhos transparentes. Dirigi-me a ela e um pato que tranquilamente debicava os restos de uma pequena horta abandonada e seca esvoaçou assustado e desapareceu...

Ela
Avistou uma mulher que cruzou o lado esquerdo da casa branca com riscas amarelas. Estava bastante suja e não lhe conseguiu ver o rosto. Por momentos pensou que tinha conseguido cruzar as terras distantes e olhou-a espantada. Impossível. A mulher esticou-lhe a mão... deixou-a esticada por uns instantes e caiu sobre a erva molhada.

Eu
Desmaiei. Agora que vi gente podia descansar.

Ela
Correu até à mulher desmaiada. Agora mais de perto viu... os rasgões nos braços os joelhos sangrados e a roupa suja. Molhou as mão na erva e limpou-lhe a lama do rosto...
Era ela própria, ali caída.

Eu
Acordei com o rosto molhado. Olhei a mulher...
Era eu própria.

Ela
Por fim percebeu... que conseguia dominar a terra das mil e uma palavras...

13 comments:

Brottas said...

adorei o texto... muito bom memso

Nuno West said...

Se fosse tu, era assim que escreveria...tenho a certeza...

poca said...

tal como tu dominas o poder de nos encantar na tua junção de palavras...

poca said...

gostei da foto nova... muito... tu

inBluesY said...

lindo dupla.

bonita nova imagem.

Seamoon said...

Como sempre fiquei abismada com este encantamento das tuas palavras...
jinhos

Astor said...

Andas desaparecida..

miak said...

Sinto falta...

Será que ainda voltas?

mir said...

mmm...acho que vou passar por aqui mais vezes! (espero que a interrupção seja passageira) :)

poca said...

só passei para deixar um beijinho...

inBluesY said...

miss Y

miak said...

Regressei...

Kiau Liang said...

livro, livro!!!!