Tuesday, January 29, 2008

...

Uma papel que me é dado. Olho para os mil rascunhos que me são passados para as mãos e procuro o meu nome. Apenas uma única linha se destina aquilo que tenho que dizer. Subir ao palco onde já está um carro dentro de uma paisagem muito bem pintada e definida em jardim com tons de fim de tarde. Sentados num banco azul um casal namorisca. Tinha que ensaiar uma expressão triste e magoada quando nesta altura só me apetece sorrir. Sinto o desespero no estômago de não ter jeito para actuar defronte para uma plateia lotada – posso ficar quieta no meu canto, se faz favor – e mesmo encorajada pelo resto do elenco, do qual fazem parte três anões, aos pulos no ensaio geral, não consegui que a vergonha de enfrentar o publico desvanecesse. Fico com a sensação de que me olham como quem vai falhar, como se a responsabilidade e a importância de uma insignificante frase, fosse o ponto de partida para tudo ir para a frente e a peça encarrilar.

Estou sentada num cadeirão de veludo vermelho, a olhar o ensaio e sempre com o sentimento de que vou ter que fazer um esforço enorme para dizer simplesmente – “O que se passa aqui!!” – mentalmente ensaio a pequena frase e os gestos de quem está a sofrer de morte. O medo que a dislexia me atraiçoe deixando cair por terra as expectativas do realizador, de todos os que ali pertencem, é petrificante. Sinto a bexiga atormentada.

Cá fora encontro-me numa floresta enorme, cheia de verde e gigantes arvores plantadas em várias descidas feitas de terra – juro – corro em busca de uma casa de banho e quando finalmente a encontro é um género de bunker com letras em néon desenhando a palavra “WC”. Numa fase em que já não aguento mais entro e reparo que não existe um único sanitário sequer. Olho em redor e apenas muitos espelhos enfeitam as paredes do pequeno espaço e uma senhora muito gorda, sentada num alto banco e com um lenço de cornucópias amarelas apertado na cabeça, vende bocadinhos de papel higiénico. Tento ser simpática e não fazer um ar de estranha, mas tenho de sair dali a correr - No chão é que não! – porque não aguento mais. Subo para cima do telhado escondido no meio de folhas coloridas e enquanto tento aliviar a super bexiga, lá em baixo vejo um desfile a vir em minha direcção. Agora a rapidez tem que ser brutal e escondo-me já com a curiosidade de ver o que é.

Entretanto numa estrada paralela passa num veiculo motorizado a alta velocidade, uma pessoa – que não vejo há bastante tempo - que me faz adeus freneticamente enquanto os seus enormes cabelos esvoaçantes rendem-se ao vento – grande sorriso -

Não é um desfile. É uma procissão. Pessoas vestidas de igual – policias ou militares, sem boinas e armas – passam com ares tristes e pesados. Escondida observo e absorvo. Os de trás – três – carregam em cada canto uma caixa vazia meio tombada, falta o quarto elemento. Parece um velório.

Acordei com aplausos e cheiro a café!

8 comments:

rspiff said...

A pergunta é antiga, mas nunca respondida: Vivemos deste lado, ou para lá do reflexo?

Imagino que o nosso mundo também é estranho, visto por aqueles que espreitam quando estamos a dormir, que nos deixam confusos no acordar, num primeiro segundo de olhos pesados.

Tenho de me segurar, para não fugir...

Anonymous said...

Fartei-me de imaginar o bunker WC LOL, WC sem o ser, é o que dá fugir da estreia, mas às vezes o mais simples custa... o medo prende as asas e a vontade é fugir, esconder, mas depois enche-se o peito de ar, a coragem lá vem meio a tremer e consegue-se... ufff que alivio, já passou:)

Beijinhos:)

as velas ardem ate ao fim said...

O aplauso é para ti!

bjo

miak said...

Mexes com fantasmas, com medos de estimação, com apresentações e plateias e tudo o mais. Mexes com muita coisa, rapariga.

as velas ardem ate ao fim said...

Hoje voltei para reler.Senti a minha alma..negra...igual a tantos dias.


Um bjinho

Una Amiga de Mi Amiga said...

Aplausos para ti! É realmente dificil descrever esa aflicçao, eu um dia conto te uma historia de uma amiga minha a fazer o seu xixi num dos viadutos do saldanha, tapando se com dois guarda chuvas...memorável.

inBluesY said...

lindo acordar.

as velas ardem ate ao fim said...

Bjinho cheio de saudades