Monday, March 27, 2006

Não posso dizer... não posso!!!

- Pssssiiiiuuuuuu, hó vizinha, vizinha...
- Sim, diga rápido que tenho o feijão ao lume!!
- Já soube?
- Soube do quê?
Apontando com dedo indicador para a terceira casa do bairro e respondeu:
- O Teodoro tem nova mulher. (sussurrou em tom de escárnio).
A outra colocou uma cara de horror e esquecendo-se completamente da panela que apitava no fogão...
- mas o lado da defunta ainda nem arrefeceu...
- É para ver vizinha, como são os homens. Não podem estar sozinhos.
- E é aqui do bairro?
- Não se sabe, nunca ninguém lhe pôs vista em cima, apenas já à noitinha se dá por ela... aqueles que lá por perto passam ouvem-lhe os passos.
- Só à noite? Que pouca vergonha...
- Dizem ainda que há-se ser uma bela mulher... pelos vultos que trespassam as cortinas coçadas.

Mais duas vizinhas se juntam ao mal dizer, atirando exagerados comentários sobre a mulher misteriosa. E outras duas formaram seis. E das seis expandiu-se como um rastilho que rebenta ao fundo com estrondo. Deste estrondo já todos os desocupados ocupavam-se agora em descobrir quem seria tão misteriosa companhia do jovem viúvo.

- Diz lá quem... que nos matas de curiosidade...
- Não posso dizer... não posso.

Na sociedade recreativa já os mais velhos faziam apostas nas cartas com o nome e outros devaneio menos próprios. Os mais novos mandavam piropos aprendidos em casa e as mulheres de avental juntavam-se à porta da mercearia já com inveja da nova que viria.
O padre ao domingo pregava sermões de bons costumes e dos anos de luto que se deve carregar. Três insistia o padre, com os três dedos bem esticados para cima e os olhos posto no Teodoro. O padre encarava-o, todos o encaravam.
Na confissão voltava o padre a insistir:

- Diz-me Teodoro quem é essa mulher que te visita à noite?
- Não posso dizer senhor padre... não posso.

E foram estas as especulações que circundaram em todo o bairro, durante dias, semanas e meses. Sem ninguém esquecer...

Uma noite a sirene do carro de bombeiros tocou e voltou a tocar, significando fogo. Havia um incêndio no bairro. Na agitação todos saíram de casa para IR VER. Uns em trajes menores outros ainda semi-nus, em magote desceram a rua principal do bairro, parando junto à casa que ardia. A terceira casa do bairro.

O fogo foi extinto, devorando por completo a casa e todo o seu interior... momentos depois o bombeiro que entrou e saiu com José Teodoro em braços...

E uma grande exclamação percorreu todos os presente. Alguns gritaram outros ficaram estáticos, algumas mulheres desmaiaram e crianças choraram...

José Teodoro vinha já sem vida. Trazia ja meia ardida uma peruca loira e vestido as roupas da defunta...

6 comments:

Madame Pirulitos said...

Ou sou eu que hoje estou não estou bem, ou também esta estória é uma estória triste.
As perdas significativas podem nunca ser totalmente resolvidas.
Fez-me lembrar "O quarto do filho". Tenho que rever este filme.
Fez-me lembrar "Morte na família: Sobrevivendo às perdas". Tenho que rever este livro.
Beijo grande.

Astor said...

lol.

já sabia que ia acabar assim :P

Kiau Liang said...

roens
Como te disse....queres que me ria ou que fique triste...?...

kolm said...

Dona Kiau Liang...

Isto dá para todos os gostos ... mas vindo de si acho que pode rir...

Aliás podemos rir...

:)

Clara LT said...

tava-se mesmo a ver...

poca said...

é assim o amor!!
e é assim a curiosidade e a má língua! todos querem e dizem saber tudo.. todos gostam de sentir que controlam as questões...
só o amor.. para sofrer calado...