Thursday, March 09, 2006

A senhora do restaurante...

Sento-me sempre confortavelmente na mesma mesa do canto para almoçar. Desde o dia dos sapatos de salto alto que o Sr. Josué ficou mais simpático e nunca poupa uma piada sobre assunto. Mas para mim bem melhor, porque assim tenho sempre a mesma mesa reservada...

Geralmente engulo o almoço demoradamente, em amena conversa com duas boas companhias. Mas hoje não foi nada disso que me aconteceu... fui almoçar sozinha... e como é normal para quem se senta sozinho numa mesa de quatro lugares, tem que partilhar a refeição com quem não conhece. O que maior parte das vezes é proveitoso no sentido das coisas que se aprende em conversas ocasionais com pessoas diferentes. E sinceramente até aprecio bastante.

Via-a chegar... aliás todos os que estavam no restaurante viram-na chegar... Vestia um enorme casaco de pelo de raposa (penso eu). A cor da pele era difícil de adivinhar devido às várias camadas de maquilhagem. O cabelo amarelado com umas madeixas roxas completamente armado e enfeitado com brincos e colares ofuscantes. Sentou-se ao meu lado. Olhou para o meu prato e encolheu a cara repugnada... (até ali não fazia ideia que uma simples sopa era assim tão repugnante.)

Pediu-o o que tinha que pedir, e como já estava a demorar muito pôs conversa comigo. Encarei-a e imaginei-a nua com cara de raposa. Não reprimi um sorriso. Começou imediatamente por me contar de onde era, descrevendo ao pormenor o todos os seus luxuosos bens materiais. Revelando ainda que o marido era dono de uma empresa qualquer.
Retirou da mala um cartão e esticou-me a mão dizendo que se precisasse de alguma coisa era só telefonar para ele. (Pensei que no mínimo lhe telefonaria para dar os sentimentos.)

Numa alegria eufórica, e com a voz num tom bem alto não fosse alguém não conseguir ouvir, falou-me das festas, das compras que fez e das que iria fazer naquele dia. Falou das viagens ao Brasil, e àquela cidade que não se lembrava do nome, onde foi ver uma exposição de quadros horríveis com bois. (Pobre Picasso, que barbaridade).

Falou-me ainda dos concerto que costumava frequentar. E foi então que o restaurante desmoronou-se em cima de mim quando ela começou a recitar Tony Carreira. “– A menina não conhece!?” Exclamou espantada... (quase pensei que era sacrilégio andar sem um CD do dito no carro).

Voltou a olhar para a minha cara de incrédula. Depois calou-se. Perguntou-me de onde era.... quando eu ia abrir a boca para lhe dizer que não era de lado nenhum porque não tinha intenções de iniciar uma nova conversa ... voltou a olhar... olhei-a bem no fundo dos olhos, estava vazia... e senti uma enorme tristeza. Mas não sei se por ela se por mim...

H. e C. voltem depressa... estão perdoados...
Kiau! ainda bem que não estavas comigo. Se não tinha sido uma macacada pegada de tanto rir...

17 comments:

Kiau Liang said...

Minha linda, ainda não ia a meio e já estava a imaginar as macacadas....

Deves-me um almoço........

kolm said...

Engoli a sopa às golfadas... e o arroz pelo nariz...

...e nunca mais vou esqueçer aquela pobre raposa...

rspiff said...

O mundo é giro de observar não é?

rspiff said...

Outra música na minha cabeça:

"Jisas yu holem hand blong mi..."

- tu és estranho sabes?
- é a tua opinião...
- não achas mesmo que alguém ouve isso sem seres tu?
- alguém deve ouvir...
- sim, numas ilhas do outro lado do mundo...

poca said...

também tenho o hábito de me sentar na mesma mesa em que fico no primeiro dia que vou aos sítios...

Astor said...

começou a falar contigo do nada?
pessoas estranhas.
ou não.

pessoas vazias...

inBluesY said...

a tristeza só podia ser por ela... tipico de 'imagens'.

bjs

Madame Pirulitos said...

O mais importante para mim foi reflectir sobre mim a partir de ti. Eu fujo das pessoas quando sou apenas eu, e não eu a trabalhar. Quando sou apenas eu sou um bocado fechada e provavelmente fugiria a sete pés de uma mesa que seria momentaneamente habitada por desconhecidos, estranhos ou não, com quem teria forçosamente que falar. Se fosse preciso iria a outro lugar, longe do mundo. Muito interessante... achares piada a isso. Talvez, quem sabe, um destes dias...Continuo a acreditar que vamos sempre mudando.

Madame Pirulitos said...

Ando um bocasdinho atrasada. deixei-te também um comentário à estória anterior. Beijo.

kolm said...

Apesar de um único sorriso que esbocei... só consegui sentir tristeza do principio ao fim... e frases soltas bailavam na minha cabeça para inventar uma desculpa de saída...
Sabendo de antemão que se não estivesse sozinha as coisas teriam acontecido de maneira diferente, e pressupostamente nem lhe teria dado a devida importância...

rspiff said...

Eu...eu...estou sem palavras...

poca said...

pois já tinha percebido...
Obrigada pela insistência/resistência e pelo carinho!!!
beijinho e um bom fim de semana p ti!

rspiff said...

Bom fim de semana :-)

Hoje surpreendeste-me, não sei se foste ao google ou se conhecias mesmo...mas fiquei surpreendido de qualquer forma...muito...

inBluesY said...

sabes, nem é dificil visualizar, qdo penso tudo o q deixei para ser apenas eu, minha consciencia e ter um sorriso feliz, sei perfeitamente o que viste.

bjs

miak said...

Que saudades tinha de voltar...a ler-te...

mfc said...

Meio mundo a ver cenas em restaurantes e o outro meio a vê-las dentro do 42 ou do 26 ou do 59 ou do 103...

As pessoas da rua, são altamente descritíveis e interessantes. Não me interessa mais nada, mas sim aquilo que vejo através de tudo o que as cobre, ainda que veja só aquilo que quero ver, para escrever.

Seamoon said...

Realmente muito estranhos esses "mundos" vazios...
Adorei o post !!
bjs