Thursday, March 02, 2006

Encantada!

Já não se recorda porque se chama assim. Um dia alguém lhe explicou porque se chamava floresta encantada... mas deixou a história entranhar-se de tal maneira nas memorias que já não consegue distinguir a realidade da fantasia.
Para si era assim. Era encantada por ser habitada por seres que o seduziam. Seres que habitavam nas arvores, folhas e ramos. Leituras inventadas no musgo que o faziam perder-se em gargalhadas, e caminhos de terra percorridos em loucas corridas com aqueles que por lá passavam. Refeições tomadas e partilhadas em manjares nocturnos que duravam horas entre taças de vinho brindadas e folias até ao nascer do sol.

Um dia tomaram-no por louco. Apanharam-no desprevenido. E num queixume constante dos que não lhe queriam bem, encarceraram-no num espaço onde por tempo indeterminado iria permanecer... dentro de um quarto branco, com uma cama branca.

***

...Sentada, na sua secretária lia e relia os papeis que lhe tinham sido entregues naquela tarde. Leu o historial daquele homem. Os mais sábios já tinham ditado a sua sentença, a si cabia-lhe apenas chamá-lo à realidade... mas que realidade... a sua própria?! Retirou da estante detrás de si um manual...

Percorreu os extensos corredores brancos. Entre sobe e desce de escadas, parou em frente de uma porta branca com o numero que trazia nos apontamentos... a porta abre-se. Num canto do quarto imaculadamente branco estava ele sentado. De dentro da sala imanava um odor intenso a vegetação... cheirava estranhamente a floresta. Entrou... num monologo de palavras bem ditas de um vocabulário muito bem estudado dirigiu-se a ele... não recebeu uma resposta ou um único movimento.

***

... o sol estava a pôr-se, o alaranjando começava a dissolver-se com os verdes escalonados escurecendo-os do mais claro para o mais escuro. No topo do caminho ele inspirou... correu até terreno desmoitado no meio da floresta, e no chão a toalha de folhas de eucalipto e castanheiro gigante já estava preparada... o seu lugar era o mesmo de sempre... sentou-se, pegou na sua taça de vinho e a folia começou até ao nascer do outro dia..

10 comments:

Madame Pirulitos said...

Identifiquei-me muito com este texto. Que realidade? Que realidades? O construtivismo diz que isso a que chamamos realidade não existe.

rspiff said...

Como é que se comenta um texto destes? Como é que se comenta o que se sente mais do que se compreende?

Tu até tens um pôr-do-sol com cor-de-laranja e verde...e eu...eu nunca mostrei esse texto a ninguém...

(...)

Seamoon said...

Lindo..gostei muito.

rspiff said...

ah, depois de ler isto tenho de perguntar, tu já viste o "Brazil", não já?

inBluesY said...

encantada fico eu :)))
muito mesmo.

Astor said...

...mas deixou a história entranhar-se de tal maneira nas memorias que já não consegue distinguir a realidade da fantasia.

ajuda a adormecer.

rspiff said...

Desculpa encher isto de comentários...mas tenho de corrigir algo.

Na verdade eu já uma vez te tinha falado num texto onde dizia "...Toco flauta em cima de um telhado, olho o céu e vejo que está cor-de-laranja e verde...", mas existe um texto onde isto foi escrito originalmente e esse nunca foi mostrado a ninguém.

Não chateio mais...

rspiff said...

Obrigado

Bom fim de semana

ah! Gosto da tua cara nova...

miak said...

Já tive medo de me dissolver. Ainda tenho. Da sedução que se mistura com o medo...de não se encontrar o equilíbrio...

mfc said...

O abismo dos encantados vira floresta encantada.