Tuesday, November 28, 2006

A boleia!

A desesperar completamente na ultima estação da linha do comboio, numa tarde já nocturna fustigada por uma tempestade que parecia não querer abrandar, muito pelo contrario. Sorri. Melhor, gosto de ver o limite.
O telemóvel toca e previsivelmente oiço a voz da minha boleia que nunca chega um único minuto que seja adiantada e encontra sempre a desculpa mais idiota para me convencer de que não tem culpa de estar atrasada ou que vem a caminho. Várias chegam a ser as horas que fico ali sentada no banco de cimento mesmo de frente para a máquina dos bilhetes, mesmo no sitio onde o vento se revolta entre folhas secas, bilhetes velhos e sujos e garrafas de plástico que não foram apontadas para o lixo. Conto os botões por ordem de cores e numero, acrescento apeadeiros e invento estações que só eu sei onde ficam.

O comboio pára infinitas vezes no fim da linha com os vidro embaciados da respiração das gentes. Alguns ainda saltam em andamento. Observo correrias alheira, reencontros e outros que se sentam ao meu lado com a certeza que também esperam alguém.

Liguei o numero que conheço na ponta da língua, ou melhor na ponta dos dedos. Vou andando a pé. Apanhas-me no caminho. Já deveria ter pensado nisso mais cedo. Subi as golas do casaco até às orelhas e devagar entrei pela tempestade adentro. Não me preocupei com poças de água, nem em desvios nem com as goteiras das arvores. Fingi ser invisível. Semi-serrei o olhos e continuei em frente. Virei à esquerda e segui em frente. Caminhei devagar, precisava de fazer tempo para não ficar à espera de frente para a entrada principal daquele sitio mágico.

Caminhei. E mesmo vendo aquele sítio todos os dias, sempre que ali passo, e principalmente a pé, fico de peito cheio e comprimido de sensações. É como se ficasse desprovida de tudo o que é material e tal como vim ao mundo coloco os pés descalços naquela calçada límpida mesmo com o passar dos séculos sem os molhar sequer, apenas sinto o frio da chuva.

Não existe ninguém. Ou melhor ninguém que olhe e veja a minha nudez. Ninguém que olhe e aponte o dedo em reprovação. Ninguém que olhe em curiosidade de quem nunca viu um corpo. Não existe. Porque naquele patamar, ao qual tinha acabado de chegar, nada disso existe. E aqueles que por mim passam olham-me simplesmente bem no fundo dos olhos... cumprimentam-me e dão-me as boas vindas. (...)

Tremi de frio. Dei por mim estava a olhar para a ponta das minhas botas. Estava sentada no muro encharcado, mesmo à entrada principal daquele sitio mágico. A tempestade estava no seu auge. Olhei a fonte romana entre o fumo de água e mais uma vez achei-a linda de morrer.
Quando estava a começar a perder-me no jogo das luzes, ouvi apitar.

O carro de lona parou e fez sinais de luzes. O meu corpo caminhou até lá, mas o meu espírito ardia por ali ficar. Entrei e a minha boleia discutia num tom ensurdecedor com uma terceira pessoa que estava presente. O rádio estava alto demais com noticiais reais demais.

Está ai uma manta (ainda consegui ouvir), sentei-me nos bancos de trás e recostei-me confortavelmente. Abstrai-me daquilo que naquele momento era mais do que poluição sonora e dentro de mim, naquela simplicidade do momento que passou nem à cinco minutos atrás, senti-me o ser mais feliz do mundo....

3 comments:

rspiff said...

... palavras que podiam ser minhas, mas que nunca juntaria assim... diferenças que me fazem sentir... que me fazem sorrir...

inBluesY said...

deixo apenas um beijinho em silêncio, vou reler mais uma e outra.

poca said...

revejo-me...