A desesperar completamente na ultima estação da linha do comboio, numa tarde já nocturna fustigada por uma tempestade que parecia não querer abrandar, muito pelo contrario. Sorri. Melhor, gosto de ver o limite.
O telemóvel toca e previsivelmente oiço a voz da minha boleia que nunca chega um único minuto que seja adiantada e encontra sempre a desculpa mais idiota para me convencer de que não tem culpa de estar atrasada ou que vem a caminho. Várias chegam a ser as horas que fico ali sentada no banco de cimento mesmo de frente para a máquina dos bilhetes, mesmo no sitio onde o vento se revolta entre folhas secas, bilhetes velhos e sujos e garrafas de plástico que não foram apontadas para o lixo. Conto os botões por ordem de cores e numero, acrescento apeadeiros e invento estações que só eu sei onde ficam.
O comboio pára infinitas vezes no fim da linha com os vidro embaciados da respiração das gentes. Alguns ainda saltam em andamento. Observo correrias alheira, reencontros e outros que se sentam ao meu lado com a certeza que também esperam alguém.
Liguei o numero que conheço na ponta da língua, ou melhor na ponta dos dedos. Vou andando a pé. Apanhas-me no caminho. Já deveria ter pensado nisso mais cedo. Subi as golas do casaco até às orelhas e devagar entrei pela tempestade adentro. Não me preocupei com poças de água, nem em desvios nem com as goteiras das arvores. Fingi ser invisível. Semi-serrei o olhos e continuei em frente. Virei à esquerda e segui em frente. Caminhei devagar, precisava de fazer tempo para não ficar à espera de frente para a entrada principal daquele sitio mágico.
Caminhei. E mesmo vendo aquele sítio todos os dias, sempre que ali passo, e principalmente a pé, fico de peito cheio e comprimido de sensações. É como se ficasse desprovida de tudo o que é material e tal como vim ao mundo coloco os pés descalços naquela calçada límpida mesmo com o passar dos séculos sem os molhar sequer, apenas sinto o frio da chuva.
Não existe ninguém. Ou melhor ninguém que olhe e veja a minha nudez. Ninguém que olhe e aponte o dedo em reprovação. Ninguém que olhe em curiosidade de quem nunca viu um corpo. Não existe. Porque naquele patamar, ao qual tinha acabado de chegar, nada disso existe. E aqueles que por mim passam olham-me simplesmente bem no fundo dos olhos... cumprimentam-me e dão-me as boas vindas. (...)
Tremi de frio. Dei por mim estava a olhar para a ponta das minhas botas. Estava sentada no muro encharcado, mesmo à entrada principal daquele sitio mágico. A tempestade estava no seu auge. Olhei a fonte romana entre o fumo de água e mais uma vez achei-a linda de morrer.
Quando estava a começar a perder-me no jogo das luzes, ouvi apitar.
O carro de lona parou e fez sinais de luzes. O meu corpo caminhou até lá, mas o meu espírito ardia por ali ficar. Entrei e a minha boleia discutia num tom ensurdecedor com uma terceira pessoa que estava presente. O rádio estava alto demais com noticiais reais demais.
Está ai uma manta (ainda consegui ouvir), sentei-me nos bancos de trás e recostei-me confortavelmente. Abstrai-me daquilo que naquele momento era mais do que poluição sonora e dentro de mim, naquela simplicidade do momento que passou nem à cinco minutos atrás, senti-me o ser mais feliz do mundo....
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3 comments:
... palavras que podiam ser minhas, mas que nunca juntaria assim... diferenças que me fazem sentir... que me fazem sorrir...
deixo apenas um beijinho em silêncio, vou reler mais uma e outra.
revejo-me...
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