Thursday, September 21, 2006

O homem com um lobo gigante!

A noite caiu. O silencio chegou. A cidade está escura. Bem alta, a noite, já corre no tempo adormecido em direcção a um novo dia da semana. É quinta-feira.
O Silencio da noite que viaja por estradas vazias. Por entre as torres e as lojas fechadas. Pelos muitos carros estacionados e alinhados. Por bancos de jardins presos. Por pracetas e pelo prédio da rua direita com vista traseira para os muros altos de um colégio francês.

Devagarinho o silencio vai subindo pelo prédio da rua direita ao minuto exacto que as luzes das janelas se apagam. Dão-se as boas noites às velhas rotinas e suspira-se por outras. Hão-de ser sempre velhas. Amanhã volta o ciclo... Sempre o mesmo ciclo.

Devagarinho o silencio sobe pelas as escadas e invade o primeiro andar esquerdo do prédio da rua direita. Entra pela fechadura, trancada a três chaves, que protege o apartamento de três assoalhadas. Todos dormem profundamente. Respiram calmamente em sonhos inconscientes. Uma sala. Uma cozinha ainda com odores recentes de sopa, de pão quente e de batatas fritas. A mesa continuou posta. É para pequeno almoço, de manhã não há tempo a perder. O quarto do pai e da mãe.

O quarto da menina e do rapazinho. O silencio brinca com as sombras causadas pela fosca luz da rua que invade a divisão pelos estores mal corridos. Transformam os brinquedos em outros brinquedos e dão-lhes vida em outras formas na parede amarela. Percorrem todos os cantinho do quarto. Sentam-se na cama da menina. Está de olhos abertos. Encaram-se os três. A menina, o silencio e a sombra.

A menina grita. O rapazinho acenda a luz e o pai parece. O silencio desaparece no meio das perguntas e as sombras voltam aos brinquedos.
- Um homem com um lobo gigante” Diz a menina apontando para a parede. O rapazinho ri. E o pai manda-o calar.

Apertou-a a sua pequenez contra o seu corpo. Afagou-lhe os caracóis castanhos e beijo-a na cabeça. A menina chora. O pai pega-lhe na mão. Levantam-se os dois da cama e o pai puxa-a. Ela recua. Não quer ir. Não quer ver. Lentamente o pai puxa-a para si e pega-lhe ao colo. “- tens que ver o que não existe

Agora descalços os dois percorrem a casa, juntos de mãos dadas. O quarto, onde a mãe cansada e sem paciência descansa da rotina de bibes, almoços banhos e jantares... não sabe que procuram um homem com um lobo gigante. A sala.
Na sala apagam as luz e sentam-se os dois debaixo da enorme mesa de madeira. Agora estão em silencio. Esperam. A menina aperta a mão do pai com força. O pai esconde a sua mão na dele. E ficam ali. Um coração disparado. Um outro transbordado. Vêm as sombras a regressar com a luz da rua que invade novamente a assoalhada. E sentem o silencio. Sorriem nas formas fantasmagóricas da parede azul. Fazem as suas próprias sombras. Imaginam mil seres.

Um carro pára por debaixo da janela... as luzes dos faróis batem nos muros do colégio francês e reflectem na janela. O homem com lobo gigante aparece.

Deitada na cama já adormecida, o pai contempla-lhe o sono tranquilo e sossegado. Passa-lhe mais uma vez a mão pelos caracóis castanhos. Ouve a sua voz sumida da menina.
- Quero casar e ficar contigo sempre... para nunca mais ter medo

Ficaram juntos para sempre. O pai continua a contemplar-lhe o sono. E a menina nunca mais teve medo.

7 comments:

Astor said...

segue o lobo? :P

rspiff said...

histórias de sombras... perfeitas...

asdrubal tudo bem said...

é impressionate como esta estória me é familiar , é o que dá ter três filhos, todos eles tiveram pesadelos e todos eles as mesmas reacções e apesar do cansaço que estas situações nos dão é sem dúvida compensador passar por elas.

Anonymous said...

Acho que o pai é uma das "figuras" mais marcantes da nossa curta vida. MAs também pode ser o oposto...

Luigi said...

Perdoa a minha ausência...
é o que dá estar com o pensamento em tr~es lugares em simultâneo
respondedno ao teu ultiomo comentário, da música dos Leaves Eyes "Mourning Tree". Conheço perfeitamente, a Liv Kristine é a das minhas vocalistas preferidas a par da Björk.

Quanto ao teu texto, repleto de descrições sublimes, onde o ruído do silêncio pode causar-nos alucinaçoes, a insegurança de sentirmos pequenos quando precisamos ser grandes e desaafiar os nossos próprios medos

inBluesY said...

muita doçura.

Kiau Liang said...

...mais uma vez...tenho saudades tuas....