Monday, October 16, 2006

Devagarinho... está na hora...

Na chuva da noite de ontem senti devagar as sensações a desvanecerem-se. Pensei que morreria junto com elas tal era a tristeza que sentia, mas estava mais do que na hora, teria que cortar um género de cordão transparente que brilha apenas para aqueles que o conseguem ver. Era essa a razão de ali estar, àquela hora. Tentei sorrir para os clarões que espreitavam de cinco em cinco minutos e iluminavam o mar, iluminavam as sombras feitas pelo vento. Iluminavam-me a mim.

Não me mexi... poderia tratar-se de uma fotografia que fixasse para sempre a minha imagem no momento e por algum encantamento que ainda desconheço pudesses ficar por ali. Viver assim. Eu e aquele sitio. Eu e a noite. Eu e a tempestade com apenas um pé pendurado para o meu próprio abismo, aquele que não receio mas respeito.

Mas o clarão era tão forte que não conseguia abrir os olhos, não conseguia ver. Tive medo de ficar desfocada, perdida e irreconhecível. E queria tanto ver. Gritei desesperadamente nos rugidos do céus e deixei que as lágrimas desenhassem o seu percurso num rosto já encharcado. Uma a uma queimavam-me os olhos. Ainda não estava preparada. Não ainda.
Não aguentei. Cai sem sentidos e atravessei o deserto do sentimento sem sequer tocar no chão. Embati numa pequena pedra e flui pelo seu lado esquerdo.

(...)

Voltei a mim. Ouviam-se sorrisos perdido no barulho da lona vibrante que cobria o veiculo alto. Continuava a chover e ainda era de noite. Sai do carro e fui até onde o mar me lambia os pés. Trauteava repetidamente o mesmo refrão de uma musica que nunca tinha ouvido:

Eras tu a ficar por não saberes partir,
E eu a rezar para que desaparecesses,
Era eu a rezar para que ficasses,
Tu a ficares enquanto saías.

Senti uma leveza no peito. Percebi e deixei-me ir. Lavei a alma e desamarramo-nos ali mesmo.
Corri para o veiculo numa velocidade alucinante para ninguém se aperceber da minha ausência... e ainda lá estavam, todos sentados na mesma disposição.

Uns lábios tocaram-me ao de leve no ouvido e num arrepio ouvi:
-Está na hora!!

Larguei o momento... guardei a recordação... e continuei devagarinho!!

8 comments:

Nuno West said...

Que boa a sensação de não me obrigar a perceber...

Apenas sentir...

Anonymous said...

Escreves muito bem.´Que descrição tão fantastica. Já é normal também.

Luigi said...

permite-me usar uma palavra que já vi que é teu apanágio (sorriso)
:)
Foi o que fiz quando li esta viagem transcendental. a noite por vezes é assutadora, ainda mais quando é diluviosa, mas é preciso ver, reconhecer e aprender a abrigar-nos da tempestade. caminhamos devagarinho com receio de não encontrarmos o caminho de volta. Existe um abrigo em cada luz acendida, em cada coração que revela todo o seu sentimento

baci per te

Kiau Liang said...

por onde andaste....?

Brottas said...

adorava conseguir experssar-me por palavras como as tuas...

Isabel said...

mhtEstive onde tu estiveste... e percebi tudo o que escreveste pedacinho por pedacinho. Tambem estive lá. Tambem larguei o momento, tambem guardei a recordação, e diferentemente continuei apressadamente com medo que a vida me voltasse a fugir.

Um abraço sentido.

Isabel

BlueShell said...

Beijo sem cor...
De uma concha que foi AZUL!
BShell

Madame Pirulitos said...

Mas um dia ainda nos vamos encontrar...