Monday, January 30, 2006

Um dia e duas noites!!

Sentei-me em cima da mota das quatro rodas. Mentalmente verifiquei por uma ultima vez a lista das coisas que tinha dentro da mochila, não fosse ficar alguma em falta. Coloquei a mudança de arranque, e comecei a percorrer a primeira parte daquilo que me aguardava.
Para onde vou, a distancia é curta mas a estrada é difícil de percorrer. Ainda trago na lembrança a ultima vez que senti o duro sabor do asfalto na boca. A noite há já muito que caiu e esconde na escuridão aquilo que as luzes dos faróis não revelam, por isso a atenção tem que ser redobrada, não vá alguém ou alguma coisa atravessar-se na próxima curva.

Conheço aquela estrada de olhos fechados e já o fiz vezes sem conta... cada vez lá passo há sempre qualquer coisa nova que me congela o movimento e me faz ficar encantada. Trago nos bolsos mil avisos e sei que é perigoso... principalmente na minha condição feminina que eu adoro mas que tantas vezes me impede e proíbe. Desta vez com o capacete que me protege dos sussurros do lago triste, cujas margens lambem a berma da estrada, consigo abstrair-me de mitos e histórias que rodopiam na minha memoria, fugindo ao encantamento daqueles que por lá ficam depois do sol. E acelero na estrada sem olhar para trás, sentido nas costas o toque dos acenos.

Quando chego ao destino, ambos já se encontram sentados no limite da rocha com os pés pendurados para lá, bem ao lado do ponto geodésico. Paro a mota das quatro rodas, e corro em sua direcção pela noite... como é habitual sento-me sempre no meio dos dois, penso que tentam criar uma barreira de protecção, mas não me pronuncio.
O da esquerda olha-me com uns olhos que sei que são verdes e sorri em boas vindas. Devolvo-lhe o olhar e tombo a cabeça no seu ombro.

Aos poucos enrolo-me com as pedras e deixo-me despenhar lá em baixo. Misturo-me desfeita em areia no fundo do mar e fico por horas naquele mundo subaquático. Envolta em sons que nunca vou entender, envolta em correntes cruzadas de águas frias de um oceano gigantesco e poderoso, que ora me equilibra ora me desequilibra entregando-me de espírito aquela utopia.
Entre a noção do real e irreal flutuo para dentro de um outro mundo que me transporta de novo ao limite da rocha. Abro os olhos e fixo aqueles outros que sei que são verdes.

Aquele lugar é mágico e intenso, e jamais arranjarei palavras para descrever aquilo que me faz sentir ou até onde me leva. É intenso no cheiro, no toque na paisagem e nas cores. Envolvente cada vez mais no tempo de uma paixão partilhada com outros que dura à muito. Foram duas noites com apenas um dia para dormir... vivi o que não é explicável.
Hoje aqui sentada, em cada tecla que primo vai um bocadinho de mim e uma ínfima parte do que senti.
É muito recente e o meu espírito ainda anda por lá, deixando o meu corpo entregue a uma marcha ritmada ao som compassado do meu mundo material...

7 comments:

Kiau Liang said...

Não preciso de te contar quantas vezes que em lugares opostos, me encontro contigo nas viagens, nos sonhos, e na brisa que vem à noitinha da marezia do mar que partilhamos....

miak said...
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miak said...

Ia comentar...mas percebi que não posso. Não pertenço a esta estória...gostava mas não pertenço. Quem sabe um dia...

Madame Pirulitos said...

Um dia, também havemos de nos cruzar...por aí...
Num dia com duas noites...numa noite com duas luas.

rspiff said...

Já te disse que gosto muito do que escreves? Se calhar não...

GOSTO MUITO DO QUE ESCREVES!!!!

Dá vontade de agarrar nesta história e vivê-la... em sonhos ou em letras... mas vivê-la... pedi-la emprestada e devolvê-la sem a estragar... sem mudar uma pequena coisa que fosse...

E depois há a música... por sorte tinha escolhido uma boa sonora quando comecei a ler: Antony and the Johnsons – Atrocities, sei que também gostas :-)

Ai! Assim a inspiração nunca mais volta para mim... o que fazer?

rspiff said...

Não agradeças as minhas palavras, gosto mesmo do que escreves.

Eu não sei se o meu mundo musical é tão grande como o teu, mas pelo menos temos o Antony em comum. Foi algo que eu comecei a gostar sozinho e durante muito tempo não conseguia convencer ninguém a ouvir...foi um prazer muito solitário e é bom ter alguém para falar destas coisas, é bom poder partilhar ideias, sensações, gostos...e quando encontro pessoas com quem o posso fazer fico contente...nunca são demais...por isso quando quiseres sabes onde me encontrares...estou no meio das sombras...

E obrigado pela inspiração, se bem que desconfio que ela tem vontade própria, não pode ser controlada. Mas nunca me tinham oferecido inspiração...e se pensares bem é algo de muito valor...

Agora começou a tocar o Hope There's Someone...vou ouvir...

Titá said...

Obrigada Pela Visita. Por favor volta sempre. Gostei deste teu espaço e vou voltar.