Thursday, January 12, 2006

Carregado de mim...

Quando o encontrei tinha acabado de explodir. Encontrava-se espalhado em bocados humanos pelo chão, alguns ainda flutuavam lentamente. Pensei para mim própria que dificilmente os conseguiria voltar a juntar... mas fiz silêncio.
Apanhei por entre dedos o seu espírito desorientado, amarrei-lhe um fio de lynon e prendi-o ao meu pulso, andava com ele como se de um balão cheio de hélio se tratasse.

Não sabia por onde havia de começar... em cima de uma mesa estendi uma folha de papel vegetal, pensei em moldes que já tinha visto num outro lado qualquer e improvisei...
Comecei pelo rosto. Apanhei os lábios o nariz e os olhos, que ainda na confusão da explosão expeliam lágrimas em catadupas. E moldei-os...
Acariciei-lhe o rosto já completo, e repousei-o no meu ombro.

Peguei numa outra folha de papel vegetal e copiei o tronco as pernas os braços, mãos e pés. Esculpi dedos sem esquecer as unhas e pedi-lhe o primeiro abraço.
Abraçou-me... estava vazio e silencioso por dentro, tinha-se transformado num pequeno monstro, desconfiado e estratega. Mordeu-me o braço numa dentada venenosa e escapuliu-me. Desesperada, cuspi as palavras que me queimavam a língua e amaldiçoei-me por não saber onde falhara...

Muito tempo depois vi-o. Escondido de tal aberração que se tornara estendeu-me a mão. Nela, vi o seu coração dilacerado em duas partes que pulavam em batidas desiguais, assustadas numa contrariedade de emoções. Peguei-lhe meticulosamente, com uma cola especial voltei a juntar as duas partes, com uma caneta de sangue, um a um fui escrevendo os nomes que ele me ia ditando... e coloquei-o no sitio.

Pediu-me que lhe explicasse toda a arte de um mundo novo... aos poucos ensinei-o a sorrir, chorar, sentir e amar. Maravilhou-se com as mais simples coisas que lhe mostrei e devolvi-lhe o espírito. Por fim soprei-lhe nos lábios uma parte da minha própria essência e partiu...

Há já bastante tempo que não sei nada dele... na gaveta ainda tenho guardado os moldes copiados nas folhas de papel vegetal e no ouvido o alerta constante de uma nova explosão...

6 comments:

rspiff said...

Sinto-me muitas vezes constrangido por receber muitos elogios que não retribuo, não por os outros não serem merecedores deles, mas simplesmente porque nem sempre os sei fazer. Mas enquanto lia o que escreveste tenho quase a certeza que comecei a voar, foi só um pouquinho e sei que ninguém vai acreditar em mim, mas aconteceu...e só pode ter sido das tuas palavras...não vejo outra razão...

E rspiff? Continua a aguardar nas sombras, mas não temas, no seu mundo também existe luz...

SL said...

A sua escrita é muito agradável, gostei mesmo bastante do que li. Obrigada pelas palavras bonitas no meu canto.

kolm said...

Rspiff?!
....Palavras mágicas vindas do fundo do coração, pequenas homenagens que me fazem sentir bem.
Obrigada pelas tuas...

Vou ficar a aguardar que rspiff aproveite a luz das sombras e reapareça com novas histórias para contar... :)

Vera cymbron
:)

Madame Pirulitos said...

I've been searching...

mfc said...

E a Sally coseu-se o braço que lhe tinha caído. escondeu-se atrás de uma campa e ficou a olhar para o Jack, que tinha um ar de desalento, por ser sempre a mesma coisa...

miak said...

Gostei tanto. Que estória incrivel...