
Para onde vou, a distancia é curta mas a estrada é difícil de percorrer. Ainda trago na lembrança a ultima vez que senti o duro sabor do asfalto na boca. A noite há já muito que caiu e esconde na escuridão aquilo que as luzes dos faróis não revelam, por isso a atenção tem que ser redobrada, não vá alguém ou alguma coisa atravessar-se na próxima curva.
Conheço aquela estrada de olhos fechados e já o fiz vezes sem conta... cada vez lá passo há sempre qualquer coisa nova que me congela o movimento e me faz ficar encantada. Trago nos bolsos mil avisos e sei que é perigoso... principalmente na minha condição feminina que eu adoro mas que tantas vezes me impede e proíbe. Desta vez com o capacete que me protege dos sussurros do lago triste, cujas margens lambem a berma da estrada, consigo abstrair-me de mitos e histórias que rodopiam na minha memoria, fugindo ao encantamento daqueles que por lá ficam depois do sol. E acelero na estrada sem olhar para trás, sentido nas costas o toque dos acenos.
Quando chego ao destino, ambos já se encontram sentados no limite da rocha com os pés pendurados para lá, bem ao lado do ponto geodésico. Paro a mota das quatro rodas, e corro em sua direcção pela noite... como é habitual sento-me sempre no meio dos dois, penso que tentam criar uma barreira de protecção, mas não me pronuncio.
O da esquerda olha-me com uns olhos que sei que são verdes e sorri em boas vindas. Devolvo-lhe o olhar e tombo a cabeça no seu ombro.
Aos poucos enrolo-me com as pedras e deixo-me despenhar lá em baixo. Misturo-me desfeita em areia no fundo do mar e fico por horas naquele mundo subaquático. Envolta em sons que nunca vou entender, envolta em correntes cruzadas de águas frias de um oceano gigantesco e poderoso, que ora me equilibra ora me desequilibra entregando-me de espírito aquela utopia.
Entre a noção do real e irreal flutuo para dentro de um outro mundo que me transporta de novo ao limite da rocha. Abro os olhos e fixo aqueles outros que sei que são verdes.
Aquele lugar é mágico e intenso, e jamais arranjarei palavras para descrever aquilo que me faz sentir ou até onde me leva. É intenso no cheiro, no toque na paisagem e nas cores. Envolvente cada vez mais no tempo de uma paixão partilhada com outros que dura à muito. Foram duas noites com apenas um dia para dormir... vivi o que não é explicável.
Hoje aqui sentada, em cada tecla que primo vai um bocadinho de mim e uma ínfima parte do que senti.
É muito recente e o meu espírito ainda anda por lá, deixando o meu corpo entregue a uma marcha ritmada ao som compassado do meu mundo material...